Fui ao Continente. Eu, que decidi usar máscara em espaços públicos fechados, ainda a DGS dizia que não era aconselhável e até contraproducente, esqueci-me de levar a minha neste dia. Com pressa e absorto nos meus pensamentos, entrei no hipermercado. Não sei onde estava o segurança, ninguém me barrou a entrada, nem disse nada. Estava lá dentro há alguns minutos quando percebi que toda a gente estava de máscara e que eu não tinha a minha. Confesso que fiquei atrapalhado. Nesse exato momento, dirigiu-se a mim uma funcionária, de olhos arregalados de espanto e horror, que em tom ríspido e autoritário me disse:
“O senhor não pode estar aqui dentro sem máscara!”
“Pois”, respondi eu, “esqueci-me da minha em casa”.
“Então vou chamar já o segurança para o pôr imediatamente lá fora!” (juro que foi mesmo assim!)
Depois de 2 ou 3 segundos em que fiquei em choque e de boca aberta, balbuciei:
“Não precisa de chamar o segurança, que eu não sou nenhum criminoso. Obviamente que eu vou sair pelo meu pé. Mas diga-me, vocês não têm máscaras que eu possa pedir?”
“Não sei nem me interessa. Só sei que o senhor tem que sair IMEDIATAMENTE!”
Saí. Pela primeira vez na minha vida senti-me um fora-da-lei, um perigo para a sociedade.
Quando me viu, o segurança disse:
“Não o vi entrar”.
“Pois não, mas não se preocupe que a sua colega já me pôs na rua. Vocês não têm máscaras que os clientes possam usar num caso destes?”
“Temos sim. Quer voltar a entrar?
“Quero.”
“Eu dou-lhe uma.”
Voltei a entrar e procurei a funcionária. Disse-lhe que afinal tinham máscaras para oferecer aos clientes em casos destes e que, na próxima, eu sugeria que em vez de ameaçar logo chamar o segurança para pôr a pessoa na rua, seria melhor informá-la que teria que ir pedir uma máscara. (Não me apeteceu estar a dizer que na semana anterior estive lá, ainda antes do uso obrigatório, eu de máscara mas outros não, talvez ela também estivesse de serviço, e que o que me transformou num perigo para a sociedade foi uma simples decisão administrativa).
Ela pediu desculpa, que não sabia, disse que agora de máscara temos a tendência para falar mais alto e que não pretendia ser agressiva. Vi nos olhos dela que seria boa pessoa e que na vida anterior teria sido talvez uma funcionária solícita, prestável e amável.
Lembrei-me da Hannah Arendt e da sua famosa teoria sobre a banalização do mal. Talvez alguém, daqui a algum tempo, venha a teorizar sobre a banalização do medo, da reação que provoca em cada um de nós e como afeta a nossa relação com os outros.
Será que algum dia voltaremos ao normal?