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Europeu sou e em paz quero viver

A nível interno, a pandemia, a seca extrema e a tentativa de ataque terrorista por um jovem universitário ocupam de momento os meios de comunicação social portugueses. No plano internacional, o foco recai na tensão político-militar entre a Rússia e a Ucrânia, dois países outrora integrados no bloco que dava pelo nome de União Soviética.

É um facto que a Ucrânia está cercada de tropas da Rússia e da sua aliada Bielorrússia. Porém, poucos assinalam que a Rússia, por sua vez, tem vindo a ser cercada de OTAN por todos os lados e é compreensível que deseje uma Ucrânia neutral, sem tropas da aliança atlântica. Neutrais ficaram a Áustria e a Finlândia, desde o tempo em que a existência de uma outra superpotência obrigava os Estados Unidos a aceitarem compromissos. Embora de motu proprio, também a Suécia permaneceu fora da OTAN. Não é descabido preconizar idêntico caminho para a Ucrânia.

O que fariam os Estados Unidos se nos seus vizinhos Canadá e/ou México se instalassem regimes hostis a Washington… com bases militares de uma aliança inimiga? Entrariam por ali à bruta, como tentaram em Cuba, ou promoveriam golpes, como fizeram no Chile de Allende (e cito apenas dois escassos exemplos). Talvez nem se dessem ao trabalho de inventar mentiras colossais como as armas de destruição em massa que o Iraque teria…

Não me empenho pessoalmente em defender a Rússia (muito menos o ditador prepotente Lukachenko, da Bielorrússia), mas, pesando embora tudo o que de negativo dele dimane, reconheço muito mais discernimento e sentido de Estado em Vladímir Pútin do que num senil como Joseph Biden, num belicista como o seu secretário de Estado Antony Blinken, num ignaro irresponsável como Donald Trump ou em mentirosos descarados como foram, entre outros, George Bush (júnior), a sua secretária de Estado Condoleeza Rice e o seu vice-presidente Dick Cheney.

Tampouco simpatizo com o regime cubano, que discricionariamente me ditaria os livros a ler, os filmes a ver ou os assuntos a debater. Sou um europeu que ama o sistema democrático e quer viver em paz no seu continente. Ora, o que está em curso é uma guerra dos Estados Unidos contra a Rússia, com a Europa a dizer, tolamente, «Yes, Big Daddy, we support you». Afastada a velha rival soviética, interessa à América combater novas concorrências. A China está cada vez mais fora do seu alcance, mas não a Rússia…

Aponta-se que a Rússia anexou a Crimeia e aspira a fazer o mesmo ao Donbass (território oriental da Ucrânia), mas a verdade é que estas regiões são historicamente russófonas (e russófilas), e só estavam sob governação ucraniana por conveniências administrativas, quando aquilo era tudo União Soviética. E se, de qualquer modo, há que respeitar fronteiras vigentes, essa lógica deveria ter-se aplicado igualmente ao Cossovo, que a OTAN, por instigação americana, retirou à histórica soberania sérvia a pretexto de ser habitado por uma etnia distinta.

Os EUA não têm a mínima autoridade moral para «policiarem» situações destas, porquanto fazem sempre o jogo que lhes convém em matéria de política internacional. É tragicamente irónico que, de Washington, chegue a insinuação de que a Rússia poderá simular um ataque com origem na Ucrânia para pretextar invadi-la: recordemos que os Estados Unidos recorreram à peta descarada e torpe das «armas de destruição em massa» que o Iraque teria, pouco lhes interessando a sorte do povo iraquiano sob a efetiva opressão de um tirano medieval como Saddam Hussein; até hoje, a região do Golfo Pérsico não se recompôs da tremenda desestabilização causada pela invasão americana do Iraque; por seu lado, a Líbia procura penosamente recompor-se da intervenção militar da OTAN em 2011. Nunca é o interesse dos povos que move os EUA quando se armam em polícias do mundo. Tão depressa combatem e derrubam um tiranete de república de bananas como sustentam um déspota cruel e sanguinário que possa funcionar como seu aliado estratégico.

Jorge Madeira Mendes

NOTAS:

1) Contra a corrente que prevalece neste momento em Portugal, opto por designar a Organização do Tratado do Atlântico Norte pela sua sigla original — OTAN —, em vez da versão inglesa («NATO», de North Atlantic Treaty Organization). Note-se que, em Espanha e em França, esta aliança é também designada pelas siglas nas correspondentes línguas («OTAN» em ambos os casos); e que, nos Países Baixos e na região belga da Flandres, lhe chamam «NAVO» (Noord-Atlantische Verdragsorganisatie). A moda «NATO», entre nós, é apenas um deplorável sintoma do desprezo dos portugueses pelo seu idioma, que parecem considerar irrelevante e pouco prestigioso.

2) Por razões similares, prefiro grafar o nome do presidente da Rússia como «Vladímir Pútin», a forma que, segundo as regras ortográficas do português, mais fielmente reproduz a fonética do original Владимир Путин. Não existindo um sistema consagrado de transliteração para o português, cada qual copia a transliteração utilizada pela língua de alfabeto latino na qual se inspira… e, com o nosso patente complexo de inferioridade, compreende-se desde logo que essa língua será, na maioria dos casos, o inglês (Vladimir Putin). Note-se que, em neerlandês, se escreve Vladimir Poetin, em espanhol Vladímir Putin e, em francês, Vladimir Poutine.

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