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Partido dos emigrantes???

Há dias recebi, através de um grupo WhatsApp de portugueses residentes no estrangeiro, propaganda eleitoral do partido Chega, da qual constavam propostas para a emigração, por exemplo a relativa ao voto eletrónico dos emigrantes. Seguiu-se uma troca de mensagens em que expus claramente o meu antagonismo às ideias mestras desse partido e na qual afirmei que o meu voto não seria determinado pela posição mais ou menos favorável de um partido político relativamente ao voto eletrónico ou ao eventual aumento do número de deputados pela emigração, duas questões caras à diáspora.

À semelhança de todos os portugueses residentes no Luxemburgo, recebi também na minha caixa de correio um panfleto do já referido partido, assumindo-se como o partido dos emigrantes. Repito: independentemente do meu estatuto de emigrante, o meu voto será determinado pelo conjunto das propostas de um partido para o país nos domínios que mais me preocupam – por ordem alfabética, cultura, educação, justiça, saúde, trabalho e transição climática – e pela sua visão quanto à democracia, a paz e a segurança no mundo. Mas nunca votaria num partido que tivesse dois pesos e duas medidas, uns para o que se passa lá dentro e outros para o que se passa cá fora.

Não é legítimo, nem coerente, nem inteligente, nem sério, nem humano defender uma coisa para os emigrantes portugueses e outra para os imigrantes em Portugal.

Querer defender os portugueses emigrados das injustiças de que são vítimas nos países em que residem, por vezes perpetradas pelos seus próprios compatriotas, obriga a defender também contra as injustiças, a exploração e o racismo os imigrantes que, em Portugal, vivem e trabalham, contribuindo significativamente para a economia do país e enchendo os cofres da nossa segurança social.

Pugnar pela proteção pelo Estado das comunidades portuguesas ameaçadas por regimes despóticos implica também que o Estado português proteja todos os que se refugiam em Portugal e que serão torturados ou assassinados pelos esbirros desses déspotas se forem recambiados para os respetivos países de origem.

Exigir – justamente! – o reforço dos serviços consulares prestados à diáspora, hoje sobrecarregados e criá-los onde não existem e fazem falta, obriga também a reforçar, no país, os recursos humanos e financeiros da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para que esta possa cobrir todo o território português, garantir uma relação de proximidade com os imigrantes, assegurando-lhes a prestação – em tempo útil! – dos serviços de que precisam ao nível da sua documentação, acolhimento, integração e inclusão. Quanto mais eficaz for a AIMA, menos imigrantes ilegais haverá em Portugal.

Querer combater a abstenção e garantir uma maior participação eleitoral dos emigrantes portugueses nas eleições portuguesas, é louvável e importante, justificando-se plenamente criar modalidades de voto alternativas às existentes. Conviria pôr o mesmo empenho na luta contra o desinteresse votado pela maioria dos emigrantes portugueses à participação cívica e política nos respetivos países de acolhimento -o Luxemburgo é um bom exemplo disso. Tal implica que se façam também esforços de informação e integração semelhantes junto das comunidades imigrantes em Portugal para que também elas possam exercer aqui os seus direitos cívicos, sindicais e políticos.

Melhorar o apoio aos portugueses mais desfavorecidos e a comunidades carenciadas da diáspora significa também encorajá-los a informarem-se corretamente e a recorrer aos serviços e apoios disponíveis para todos os cidadãos nos países de acolhimento, sem se fecharem na sua concha ou no confortozinho das suas quatro ou mais paredes.

Desenvolver, junto da diáspora, o ensino da língua portuguesa – sim! – e da história de Portugal, «mapear, valorizar e integrar na nação as muitas comunidades históricas portuguesas, herdeiras da aventura dos Descobrimentos,», como diz o programa do Chega, obriga também a que não se esconda o reverso negro da dourada medalha, ou seja, as consequências nefastas dos Descobrimentos e da expansão portuguesa para os povos e regiões colonizadas – escravatura, dizimação dos povos indígenas, conversão e catequismo forçados, aniquilação e apropriação culturais, delapidação dos recursos naturais, roubo da riqueza de todos para encher os bolsos de muito poucos e alimentar a vã glória de monarcas absolutistas, de uma nobreza ociosa e decrépita e de uma Santa Sé mais atenta ao aumento do seu poderio do que à difusão dos valores humanistas e cristãos. Muitos dos graves problemas do mundo atual são consequências dos colonialismos europeus – e também do colonialismo português. O ensino da história de Portugal, no país ou no estrangeiro, tem de falar disso para que os portugueses compreendam o mundo atual. Terá também de tratar o fascismo português e a revolução que lhe pôs fim.

O ensino da língua e a transmissão da cultura portuguesa na diáspora tem de ser moderno nos conteúdos, nas formas e nas pedagogias e não assentar numa portugalidade que cheira a mofo e não rasga novas perspetivas. A História só nos serve se nos permitir compreender a nossa própria história. Para isso, não pode ser apenas um rosário de relatos épicos e de peripécias de navegadores, como acontecia nos meus tempos de menina – passava-se de D. Afonso Henriques a Pedro Álvares Cabral, passando por D. Dinis, pela Rainha Santa, por Pedro e Inês, por Aljubarrota, por Camões a salvar o poema, etc., até chegarmos às proezas de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, sem que se percebesse o que tinha acontecido entretanto e como umas coisas levavam às outras.

Para fazer florescer a cultura portuguesa na diáspora conviria fazê-lo também cá dentro Cultura devia ser algo mais do que folclore, comes e bebes, Tóni Carreira e festas animadas por pseudoestrelas pimba a vomitar ordinarices. Seria bom que os portugueses no estrangeiro fossem «autênticos embaixadores de Portugal em geografias diversas» , como reza o programa do Chega, mas tal pretensão obriga a que recebamos os imigrantes em Portugal como «autênticos embaixadores» das suas culturas – também nós ficaremos mais ricos.

Recordo as palavras de Peter Scholten, Diretor do Centro de Investigação sobre Governação das Migrações e da Diversidade na Universidade Erasmus de Roterdão. Numa conferência proferida em maio passado no Fundão, afirmou que deixou de fazer sentido falar de «emigrantes» ou de «imigrantes» – que se fale de «migrantes», de «migrações» e de «mobilidade»; que poucos serão as famílias europeias que não tenham histórias de migração nas três últimas gerações; e que todos nós poderemos um dia ser migrantes por razões tão variadas quanto o trabalho, a sede de mudança, as relações pessoais, a guerra, as alterações climáticas, etc.

Um país é de todos os que lá vivem, onde quer que tenham nascido, e também dos que de lá saíram por necessidade ou por opção, provisoria ou permanentemente. Partido dos emigrantes?? Não faz sentido. É só poeira para os olhos.

Eduarda Macedo

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