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Isabel Sara Hartwig: a luso-alemã que leva o artesanato português até Berlim

© Stadtgören Berlin

Em Berlim, há um espaço singular dedicado ao artesanato português: o studio oliveira. Fundado por Isabel Sara Hartwig, uma luso-alemã de 35 anos apaixonada pela cerâmica, este projeto tem como missão dar a conhecer ao público alemão a riqueza das tradições artesanais de Portugal. Mais do que uma loja, é uma ponte cultural que conecta o passado e o presente da cerâmica nacional a uma audiência internacional.

Em entrevista ao BOM DIA, a fundadora, nascida em Colónia mas residente, desde 2009 em Berlim, partilha a sua inspiração, os desafios de promover a cerâmica portuguesa no estrangeiro e os seus planos para o futuro do studio oliveira.

O que a inspirou a criar o studio oliveira?

Após o meu doutoramento, fundei o studio oliveira porque sou apaixonada pelo artesanato português, especialmente pela cerâmica. Portugal, o país de origem da minha mãe, tem inúmeras tradições, com uma grande riqueza estética e uma qualidade manual que merecem destaque. Interesso-me também pelas pessoas criativas e pelas histórias por trás dessas obras. Além disso, sendo luso-alemã, com este projeto exploro também a minha segunda pátria – à minha maneira, através do artesanato –, pois sou historiadora de arte.

Qual o motivo pelo qual escolheu este nome para o seu espaço?

O nome surgiu porque adoro o interior de Portugal. Quando se fala de Portugal na Alemanha, a maioria das pessoas pensa nas praias e no mar, mas eu sinto-me igualmente fascinada pelo interior, com as suas oliveiras. Além disso, a palavra ‘oliveira’ é feminina, tal como este projeto, que também nasce de um espírito feminino.

Stadtgören Berlin

Como funciona o processo de seleção das peças que leva para Berlim?

A seleção das peças reflete o meu gosto pessoal e o meu desejo de representar a versatilidade do artesanato português. O objetivo é oferecer uma curadoria equilibrada, que valorize as tradições, ao mesmo tempo que dá espaço a novos artistas e às suas ideias e estéticas.

Que tipo de feedback tem recebido dos clientes em Berlim sobre as peças portuguesas?

O feedback tem sido muito positivo, embora os gostos, claro, possam variar. Fico especialmente feliz quando os meus clientes se interessam pelas histórias por trás das peças e, com base nisso, acabam por escolher algo que talvez não tivessem selecionado à primeira vista, mas que – com um pouco mais de conhecimento de fundo – os fascina e talvez os incentive a aprofundarem-se na cultura portuguesa.

Como vê a conexão entre as olarias tradicionais do interior de Portugal e os estúdios urbanos mais modernos?

É uma questão interessante. Muitas olarias tradicionais do interior, algumas com várias décadas de história, contam-me que enfrentam problemas de sucessão, pois os jovens estão a mudar-se para as cidades em busca de outras carreiras. Por outro lado, em Lisboa e no Porto, os estúdios de cerâmica estão a proliferar. Há também a diferença entre ceramistas com formação profunda e aqueles que começaram na cerâmica como hobby, mas que ainda assim têm muito sucesso (talvez porque trazem experiências variadas e uma nova perspetiva ao artesanato). No entanto, adoro tanto o tradicional como o contemporâneo e espero que o renovado interesse pelo artesanato também ajude as olarias do interior, por exemplo, através de colaborações.

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Quais são os maiores desafios de promover a cerâmica portuguesa fora do país?

Há um problema bastante prático: o transporte. A cerâmica é pesada e facilmente quebrável. Além disso, muitas olarias tradicionais não têm experiência em exportação, o que torna difícil trazer as peças para a Alemanha. Quando chegam aqui, o objetivo é despertar o interesse das pessoas e transmitir que são bens culturais, feitos à mão e em pequenas quantidades, e que, por isso, não podem ser comparadas, por exemplo, em termos de preço, com peças de produção industrial. Trata-se de promover a valorização e estimular o envolvimento com a cultura portuguesa.

Que projetos futuros tem pensados para a sua loja?

Há ainda algumas peças que gostaria de disponibilizar, mas que são difíceis de obter. Um exemplo que adoro é o Figurado de Barcelos, uma arte muito especial e, na minha opinião, encantadora. Já trouxe algumas peças na minha bagagem e, para minha grande surpresa, venderam-se super rápido em Berlim. Além disso, gostaria de aproveitar ainda mais o meu espaço de loja para eventos culturais. Já organizei um belíssimo concerto com a Serenata Portuguesa, que promove o Fado de Coimbra em Berlim, e o próximo projeto é um Pop-up com artistas portugueses que vivem em Berlim. Para além disso, quero escrever mais textos sobre Portugal, especialmente sobre o artesanato, uma vez que fazer pesquisas e escrever são duas das minhas grandes paixões.

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Como é que a sua formação como historiadora de arte influenciou o conceito do studio oliveira?

Como historiadora de arte, interesso-me pelos contextos culturais e históricos das obras, bem como pelas técnicas e processos de produção. Para mim, as peças que vendo não são meros objetos utilitários, mas sim testemunhos do património cultural português. Levo essa perspetiva também para a minha loja, sobretudo quando me envolvo em longas conversas com os meus clientes sobre as peças. É importante para mim transmitir que são objetos que representam um país e o seu povo.

Quais as memórias ou experiências em Portugal que mais marcaram a sua relação com a arte e o artesanato?

As conversas com as artesãs e os artesãos. Às vezes, no início, demonstram um pouco de reserva. Não tenho uma aparência muito portuguesa e tenho um pouco de sotaque alemão, mas, quanto mais conversamos e mais mostro interesse pela arte delas e deles, mais se abrem. Já passei horas em ateliês e aprendi muito sobre o artesanato, mas também sobre histórias individuais, as preocupações e as esperanças das pessoas. Essa conexão entre as peças e as pessoas torna o meu trabalho muito mais interessante e prazeroso.

Por que escolheu o Alentejo como uma das principais inspirações para o projeto?

O Alentejo e o Norte são duas regiões especialmente interessantes para mim, pois têm tradições artesanais muito bonitas – e paisagens fantásticas. No Alentejo, as colinas suaves, as sobreiras e oliveiras, e a cerâmica colorida, pintada à mão. No Norte, são as montanhas, as vinhas e, claro, cerâmicas muito interessantes, como o já mencionado Figurado ou a cerâmica preta, feita com técnicas muito antigas. Claro que também gosto das cidades, que são centros criativos do país, mas aprecio imenso o andar por trilhos pouco explorados.

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Ser filha de duas culturas (alemã e portuguesa) ajudou a moldar sua visão sobre o artesanato?

Sempre me interessei por diferentes culturas e por como elas se manifestam. O artesanato é uma forma fascinante de aprofundar conhecimento sobre um país. Na Alemanha, também temos produtos artesanais belíssimos, que variam bastante nas diferentes regiões e revelam histórias sobre a vida nessas zonas, tanto no passado quanto na atualidade. Essas narrativas despertam a minha curiosidade – nas minhas duas pátrias e além delas.

Na sua opinião, o que torna a cerâmica portuguesa tão especial?

Eu acho que é a diversidade e a alta qualidade do artesanato. Em Portugal, muitas tradições manuais mantiveram-se, embora, claro, a produção industrial também tenha chegado ao país. Acho maravilhoso que as pessoas valorizem o seu artesanato local e se empenhem em mantê-lo vivo. Além disso, existem alguns museus públicos que se dedicam a essas formas de arte, contribuindo assim para a sua preservação. Eu mal conheço outro país onde seja possível, quase em qualquer aldeia, visitar uma família que se dedica ao artesanato. Isso é algo muito especial em Portugal.

Há alguma peça ou técnica artesanal que considera subestimada ou menos conhecida fora de Portugal?

Muito pouco conhecida é a cerâmica preta do Norte, embora tenha sido classificada como Património Mundial pela UNESCO (em Bisalhães). Essa cerâmica é feita por poucas pessoas, utilizando uma técnica ancestral: é tradicionalmente queimada no solo. As peças são envoltas em grama e galhos, que são queimados no chão, criando a cor preta característica. A falta de oxigénio durante a queima faz com que a cerâmica adquira a cor preta, e o carbono presente nas plantas contribui para o brilho e o polido. O resultado são peças muito especiais e bonitas.

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Há algum artista, região ou técnica que gostaria de explorar mais profundamente no futuro?

Gostaria de aprofundar ainda mais os meus conhecimentos sobre o Figurado de Barcelos. Tenho grande interesse por vários aspetos dessa tradição, que é fortemente baseada no trabalho das mulheres, com destaque para Rosa Ramalho, que tornou o Figurado conhecido no século XX. As famílias dessas mulheres continuam, em parte, a tradição. Elas produzem figuras excêntricas, animais e seres mitológicos, que são absolutamente fascinantes e oferecem uma visão profunda das histórias e lendas dessa região. Gostaria de aprender mais sobre isso.

O que diria a outros lusodescendentes ou portugueses que vivem fora do país e querem explorar ou divulgar a cultura das suas origens?

Recomendo muito explorar o país por conta própria e encontrar algo pelo qual se apaixonem -no meu caso, é o artesanato. Isso ajudou-me bastante a desenvolver uma perspetiva individual, a conhecer pessoas interessantes com as quais me identifico e que me ajudam a encontrar o meu próprio relacionamento com o país. E aquilo pelo que nos apaixonamos é o que conseguimos divulgar e contagiar os outros com mais facilidade.

Se quiser saber mais sobre o trabalho de Isabel e visitar o studio oliveira, basta passar pela Katzbachstrasse 25, em Berlim. Em alternativa, pode visitar a loja online do projeto.

Texto: Fabiana Bravo

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