Comunidades portuguesas no estrangeiro: A urgência de um voto que conte

No ano em que comemoramos 50 anos das primeiras eleições livres, uma das suas maiores conquistas da Revolução de Abril, ainda há uma parte significativa da população portuguesa que permanece à margem da plena participação democrática. Os cidadãos residentes no estrangeiro. A abstenção entre os emigrantes portugueses atingiu níveis insustentáveis, revelando não apenas desinteresse, mas sobretudo uma profunda disfunção do sistema de voto que lhes é destinado.
A comunidade portuguesa no estrangeiro é numerosa e significativa. Segundo os dados mais recentes, existem mais de 1,5 milhões de portugueses com capacidade eleitoral ativa inscritos fora do território nacional. Estima-se que, contando com os lusodescendentes, a população de origem portuguesa espalhada pelo mundo ronde os 5 milhões. Uma diáspora presente nos cinco continentes, com contributos inegáveis para o crescimento económico, social e cultural de Portugal. Ainda assim, os seus direitos políticos continuam dramaticamente subvalorizados.
Nas eleições legislativas de 2024, os dados revelam uma realidade preocupante: a taxa de abstenção no círculo da Europa foi de 74,97% e no círculo Fora da Europa chegou aos 83,78%.
Mesmo com um aumento ligeiro na participação em relação a anos anteriores, os números continuam a evidenciar uma desconexão grave entre o sistema político português e os seus cidadãos no estrangeiro. Estes dados contrastam com os valores da abstenção em território nacional, que, embora ainda elevados (33,77% em 2024), são claramente inferiores.
A pergunta impõe-se: o que leva tantos portugueses emigrados a não exercer o seu direito de voto? A resposta não pode ser resumida ao desinteresse político. Um dos maiores obstáculos identificados é a falência do sistema de voto por correspondência, que se mantém como o principal meio de participação para a maioria destes eleitores. Em muitos casos, os boletins de voto não chegam a tempo, são devolvidos por erros nos endereços ou simplesmente não regressam às autoridades eleitorais dentro do prazo. Há ainda milhares de votos considerados nulos por falta de cópia do documento de identificação, como exige a lei — exigência essa que já foi alvo de forte contestação por parte das comunidades emigrantes.
A própria estrutura de representação política acentua a exclusão. Dos 230 deputados que compõem a Assembleia da República, apenas quatro são eleitos pelos círculos da emigração — dois pela Europa e dois pelo resto do mundo. Esta desproporção é flagrante quando comparada com círculos do território nacional que, com um número semelhante de votantes, elegem muitos mais representantes. Tal discrepância contraria o princípio da proporcionalidade que deveria reger o sistema democrático português e compromete a eficácia do voto dos emigrantes.
A desigualdade no acesso e na influência política conduz inevitavelmente ao afastamento das comunidades. Quando os cidadãos sentem que o seu voto não tem peso real ou que o sistema é tão complexo e moroso que inviabiliza a sua participação, é natural que optem por se abster.Esta situação mina a legitimidade do processo democrático e perpetua a invisibilidade de milhões de portugueses que continuam a manter fortes ligações com o seu país de origem.
É neste contexto que a implementação do voto eletrónico se impõe como uma solução não apenas necessária, mas urgente. A tecnologia já permite hoje garantir processos eleitorais mais acessíveis, rápidos e seguros.
O voto eletrónico não deve, no entanto, ser visto como uma panaceia. É parte de um conjunto mais vasto de reformas necessárias para assegurar uma democracia mais inclusiva e participada. A reforma eleitoral, o reforço da representação de deputados nos Círculos da Europa e Fora da Europa, reforço da promoção do voto antecipado e em mobilidade, melhorias nos postos e serviços consulares e o reforço da informação junto das comunidades emigradas são outras medidas que merecem debate e ponderação. Mas o voto eletrónico destaca-se pela sua capacidade de resolver rapidamente uma das maiores dificuldades sentidas pelos eleitores no estrangeiro: a distância física e o tempo que a votação por correio exige.
A transformação digital da democracia exige coragem e visão. Não é aceitável que, em pleno século XXI, milhões de portugueses continuem impedidos de exercer plenamente o seu direito de voto por causa de um sistema obsoleto e ineficiente. A participação eleitoral é um pilar da democracia e a sua erosão, através da abstenção forçada ou induzida, deve ser encarada como uma verdadeira emergência democrática.
Portugal tem uma oportunidade histórica de corrigir esta injustiça e de mostrar que valoriza todos os seus cidadãos, estejam onde estiverem. A implementação do voto eletrónico, especialmente para os portugueses no estrangeiro, não é apenas uma questão técnica. É uma questão de respeito, de igualdade e de compromisso com os princípios fundamentais do regime democrático.
Diogo Barbosa Leal