Cancro: A batalha silenciosa que todos devemos enfrentar

O cancro não é apenas uma doença. É um fenómeno social, um desafio global, um enigma científico e, para muitos, uma luta diária carregada de dor e esperança. No Dia Mundial do Cancro, importa não apenas recordar os que partiram, mas também refletir sobre o impacto desta patologia no presente e no futuro.
Com a sua sombra a pairar sobre milhões de pessoas em todo o mundo, o cancro é um dos principais flagelos da humanidade. No entanto, nunca estivemos tão bem preparados para o combater. Entre estatísticas alarmantes e avanços promissores, Portugal e o mundo enfrentam esta batalha de forma cada vez mais eficaz. Mas será suficiente?
O peso dos números: A epidemia do século XXI
O cancro é uma das principais causas de morte a nível mundial. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2020 registaram-se mais de 19,3 milhões de novos casos e quase 10 milhões de mortes associadas à doença. Até 2040, estima-se que o número de diagnósticos possa ultrapassar 30 milhões por ano.
Em Portugal, o cenário não é menos preocupante. Dados do Registo Oncológico Nacional apontam para cerca de 60 mil novos casos de cancro por ano, sendo os mais comuns o cancro do cólon e reto, mama, pulmão e próstata. Destes, aproximadamente 28 mil resultam em morte, tornando-se a segunda principal causa de morte no país, logo a seguir às doenças cardiovasculares.
Os números são avassaladores, mas escondem uma verdade essencial: por trás de cada estatística há uma história, uma família afetada, uma batalha travada muitas vezes em silêncio.
O cancro infantil: Uma realidade chocante em Portugal
Portugal enfrenta uma triste realidade que deveria envergonhar-nos enquanto sociedade. Somos o país da União Europeia com a maior incidência de cancro infantil. Todos os anos, cerca de 400 crianças e adolescentes são diagnosticados com cancro, um número que, embora pequeno face aos casos em adultos, tem um impacto devastador.
As causas para esta elevada incidência ainda não são completamente compreendidas. Fatores ambientais, exposição a químicos e até predisposição genética podem desempenhar um papel. O que sabemos é que a investigação e o investimento em novos tratamentos são essenciais para inverter esta tendência.
Felizmente, cerca de 80% das crianças diagnosticadas com cancro conseguem sobreviver, um reflexo dos avanços na oncologia pediátrica. No entanto, a cura muitas vezes vem acompanhada de sequelas físicas e emocionais que perduram para toda a vida.
A ciência contra-ataca: O progresso no combate ao cancro
Se há algumas décadas o diagnóstico de cancro era quase uma sentença de morte, hoje a ciência tem reescrito essa narrativa. Os avanços são inegáveis:
- Taxas de sobrevivência: Em países com bons sistemas de saúde, mais de 50% dos doentes oncológicos sobrevivem por pelo menos cinco anos após o diagnóstico. Em certos tipos de cancro, como o da mama, próstata ou testículo, esse número ultrapassa os 90%.
- Terapias personalizadas: A oncologia de precisão permite que os tratamentos sejam ajustados ao perfil genético de cada tumor, aumentando a eficácia e reduzindo os efeitos secundários.
- Imunoterapia: Esta abordagem revolucionária estimula o sistema imunitário a combater as células cancerígenas. Em cancros agressivos, como o melanoma metastático, a imunoterapia já permitiu prolongar a vida de doentes que, há poucos anos, teriam poucas opções.
- Terapias-alvo e nanotecnologia: Com técnicas cada vez mais sofisticadas, é possível atingir apenas as células tumorais, poupando os tecidos saudáveis e reduzindo a toxicidade dos tratamentos.
Mas há uma inovação que merece destaque: as vacinas contra o cancro.
Vacinas contra o cancro: Um sonho cada vez mais próximo
A palavra “vacina” remete-nos para a prevenção de doenças como o sarampo ou a gripe, mas a ciência está a alargar essa definição. As vacinas terapêuticas contra o cancro já são uma realidade, e Portugal está na linha da frente deste desenvolvimento.
O Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto encontra-se a desenvolver um protótipo de vacina inovadora baseada em açúcares presentes nas células tumorais. O objetivo? Ensinar o sistema imunitário a reconhecer e destruir as células cancerígenas, prevenindo a recidiva da doença.
Se tudo correr como previsto, esta vacina poderá ser testada em humanos dentro de cinco anos. Com financiamento adequado e apoio da comunidade científica, Portugal poderá estar prestes a dar um contributo crucial na luta contra o cancro.
A prevenção: A primeira arma nesta guerra
Por muito que a ciência avance, há uma verdade incontornável: 40% dos casos de cancro podem ser evitados com mudanças no estilo de vida. Sim, o cancro não é apenas uma questão genética ou uma fatalidade inevitável. Há fatores que estão ao nosso alcance:
- Tabaco: O tabagismo é responsável por cerca de 22% das mortes por cancro. Quem fuma tem um risco 15 a 30 vezes maior de desenvolver cancro do pulmão.
- Alimentação: O consumo excessivo de carnes processadas, açúcar e gorduras trans aumenta significativamente o risco de vários tipos de cancro.
- Sedentarismo: O exercício físico regular reduz o risco de cancro da mama e do cólon em até 25%.
- Álcool: O consumo excessivo está diretamente ligado a cancros da boca, fígado, esófago e mama.
- Exposição solar: O cancro da pele é um dos mais evitáveis. O uso de protetor solar e a moderação na exposição ao sol podem reduzir drasticamente o risco.
A prevenção não é um luxo, é uma necessidade. O cancro não escolhe idades, géneros ou classes sociais. Mas podemos, com pequenas mudanças, reduzir significativamente as nossas hipóteses de sermos apanhados por ele.
A luta contra o cancro é de todos nós
O cancro não é apenas um problema médico. É um problema humano. É um pai que deixa os filhos demasiado cedo. É uma criança que perde a infância entre hospitais. É uma família que vê a sua vida virar do avesso.
Neste Dia Mundial do Cancro, a pergunta que devemos fazer não é “o que a ciência pode fazer por nós?”, mas sim “o que podemos nós fazer por esta causa?”.
- Podemos ser mais conscientes e apostar na prevenção.
- Podemos apoiar a investigação, porque sem ela, não há cura.
- Podemos exigir melhores políticas de saúde e rastreios mais acessíveis.
- Podemos estar ao lado daqueles que enfrentam esta luta, oferecendo-lhes apoio, compreensão e dignidade.
A luta contra o cancro não é apenas dos médicos, dos investigadores ou dos doentes. É de todos nós.
E, juntos, podemos fazer a diferença.
António Ricardo Miranda