A tributação de mais-valias imobiliárias de entidades não residentes em Portugal
O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”) estabelece que “Os rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, obtidos por sociedades e outras entidades não residentes, são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS.”.
Neste sentido, as vendas de casas sitas em Portugal, por parte de entidades não residentes e sem estabelecimento estável em território português são sujeitas a tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) segundo as regras previstas no CIRS para a Categoria G.
Até 2022, o CIRS – para o qual parece remeter, implicitamente, o CIRC – estabelecia que as mais-valias imobiliárias auferidas por residentes eram, apenas, sujeitas a tributação em 50% do saldo apurado. Ora, esta situação gerou enorme controvérsia, em relação à situação das pessoas singulares não residentes, cujo saldo das mais-valias imobiliárias era considerado na sua totalidade.
OS ANTECEDENTES
Tudo começou, ainda, na vigência do anterior Código do IRS, em que se previa a tributação em 50% das mais-valias imobiliárias “respeitante às transmissões efetuadas por residentes”.
Tal regra foi contemplada no atual CIRS e vigorou até à Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2023), que suprimiu a expressão “efetuadas por residentes”. Por conseguinte, no atual quadro legal, a tributação em apenas 50% das mais-valias imobiliárias aplica-se aos residentes e não residentes pessoas singulares.
Até 2022, o entendimento veiculado pela Administração tributária era o de que as mais-valias realizadas com a venda de imóveis por pessoas singulares eram tributadas, em sede IRS, no âmbito da referida categoria G (incrementos patrimoniais), sendo, assim, os cidadãos residentes fiscais em território nacional tributados sobre metade (50%) das mais-valias imobiliárias, realizadas, às taxas gerais progressivas, enquanto os cidadãos não residentes para efeitos fiscais eram tributados sobre a totalidade (100%) das mais-valias à taxa fixa de 28%.
Na sequência de um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de setembro de 2020 (proferido no âmbito do Processo n.º 075/20.6BALSB), e em cumprimento com o estabelecido no Acórdão MK contra a Administração tributária proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (no âmbito do processo C-388/19, datado de 18 de março de 2021) e que julgaram a norma em apreço contrária ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), bem como na sequência da alteração legislativa operada pela Lei do Orçamento de Estado para 2023, a Administração tributária emitiu o Ofício Circulado n.º 20255 de 14 de abril de 2023. Nos termos deste ofício, o saldo das mais-valias imobiliárias auferidas por pessoas singulares não residentes (independentemente de residirem dentro ou fora da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu), seriam tributadas, apenas, em 50% do seu valor e sujeitas a taxa de tributação autónoma à taxa especial de 28%.
Face ao exposto, no atual estágio, parece que a querela está, definitivamente, resolvida, sendo que todas as pessoas singulares, independentemente da residência nacional, comunitária ou extracomunitária, são tributadas em apenas 50% do saldo das mais-valias imobiliárias apuradas (no caso dos não residentes, naturalmente, relativamente apenas a imóveis sitos em território português).
O ACÓRDÃO DO STA
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no passado dia 29 de fevereiro de 2024, uniformizou a Jurisprudência, no sentido de que a matéria coletável das mais-valias realizadas na venda de imóvel localizado no nosso país, por parte de sociedade não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, incide sobre a sua totalidade, não sendo aplicável a redução de 50%, prevista no CIRS.
Ora, no caso em apreço, o Recorrente interpôs recurso, para uniformização de jurisprudência, visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo n.º 686/2022-T, o qual julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, deduzido pelo Recorrente e visando os atos de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada relativamente ao IRC por si autoliquidado através da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC submetida, respeitante ao período de tributação de 2021, aqui chamando a jurisprudência do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 23 de junho de 2021, proferida no âmbito do Processo n.º 00258/17.6BECBR.
O cerne da questão era o de saber se a situação fiscal dos sujeitos passivos não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal é diferente (ou não) da dos sujeitos passivos residentes ou com estabelecimento estável em território nacional.
Entendeu o Centro de Arbitragem Administrativa, na decisão arbitral recorrida, que a jurisprudência invocada pela Recorrente não é aplicável ao caso concreto, uma vez que as normas aí visadas dizem respeito a pessoas singulares e não a pessoas coletivas, assim concluindo que a remissão feita pelo CIRC para o CIRS deve, somente, ser interpretada como referente às regras de delimitação de matéria coletável, não abrangendo as regras de quantificação.
Por seu turno, no acórdão fundamento, o Tribunal Central Administrativo Norte – seguindo a jurisprudência que considerava contrária às liberdades da União Europeia a não aplicação, também a não residentes, da norma que sujeitava a tributação apenas 50% do saldo das mais-valias imobiliárias apuradas pelos residentes –, entendeu que o CIRS deve ser, ainda assim, aplicado, mas interpretado, corretivamente, no sentido de se desconsiderar a expressão “por residentes”, concluindo que a redução a 50% é aplicável a residentes e a não residentes, pelo que seria anulável a liquidação de IRC que tenha tributado 100% da mais-valia por o sujeito passivo ser não residente.
Submetida a questão ao Supremo Tribunal Administrativo, este alertou: fazer equivaler a situação das pessoas singulares e a das pessoas coletivas “não é o melhor caminho”, na medida em que estão em causa impostos diferentes, assentes em princípios diferentes.
Vem, assim, o Supremo Tribunal Administrativo, confirmar a decisão arbitral, explicando que as entidades não residentes sem estabelecimento estável ficariam colocadas numa inaceitável situação de discriminação favorável, relativamente às entidades residentes, se lhes fosse permitido incluir na sua matéria coletável 50% do valor deste tipo de rendimento. Alerta, assim, o douto Tribunal, que a discriminação, negativa, que acontecia relativamente às pessoas singulares, sujeitos passivos de IRS, que deu causa ao acórdão Hollmann e aos que se lhe seguiram, não existe relativamente às mais-valias auferidas por sociedades residentes e sociedades não residentes, por “manifesta falta de analogia estre as duas situações tributárias”.
CONCLUSÃO
Pese embora a presente jurisprudência firmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no passado dia 29 de fevereiro de 2024, possa parecer, à primeira vista, uma “inflexão” –, na medida em que desaplica a redução de 50%, prevista no CIRS, para pessoas singulares residentes e não residentes –, este recente Acórdão encontra-se em linha com o princípio da igualdade tributária –, já que obsta a que os não residentes sem estabelecimento estável em Portugal beneficiem de uma vantagem fiscal injustificada face às entidades residentes ou não residentes com estabelecimento estável em Portugal.
Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Inês Braga Reigoto
Leonor Gargaté Oliveira
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Av. da Liberdade – 136, 4º (reception)
1250-146 Lisboa – Portugal
T +351 215 915 220