De que está à procura ?

Colunistas

Violência e desordem em França

© DR

Há um imenso rancor que arde em violência nas ruas de Paris, Lyon, Bordéus, Nantes, Toulouse e em muitas outras cidades francesas. Uma revolta acumulada nas periferias, por pessoas que vivem uma vida periférica, estigmatizada. Não é a primeira vez, nem será a última. Mas agora surpreende pelo nível de violência generalizada e gratuita após a morte de Nahel, o menor de 17 anos abatido pela polícia, num uso da força manifestamente desproporcionado. Um daqueles jovens periféricos de zonas e bairros mais desfavorecidos, onde também vivem muitos portugueses.

A situação de revolta social latente em França é profunda e com todo o potencial para originar motins como os que têm incendiado as ruas de várias cidades nos últimos tempos, muito potenciada pela utilização das redes sociais. A polícia, que se protege, afirma que agiu em legítima defesa, mesmo quando as evidências mostram o contrário, o que terá levado à detenção preventiva do agente que disparou. Do lado dos manifestantes, a morte do menor Nahel foi apenas mais um ato de discriminação da polícia.

Só em 2022 houve 13 mortes de ocupantes de carros que recusaram parar em controlos de polícia e 137 disparos nessas situações, com a particularidade inquietante dos visados serem maioritariamente de origens “sensíveis”. Desde 2017 que a lei permite o uso de armas de fogo sempre que se considere que a integridade física de alguém esteja em risco, o que leva mais facilmente a situações desta natureza.

Perante este quadro de uma sensação de injustiça e de discriminação repetida, compreende-se que a revolta nasça mais facilmente, atingindo desta vez uma violência e destruição completamente injustificadas. No vídeo do acontecimento, vêm-se dois polícias debruçados sobre a janela de um carro amarelo parado, um deles de arma apontada. E há também o registo do polícia a dizer: “Levas um tiro na cabeça”, o que poderá ter desencadeado o medo que deu origem à fuga, levando o polícia a apertar o gatilho, sem razão que o justifique, atingindo Nahel no tórax. E fica sempre a interrogação. Se o jovem, mesmo sendo já conhecido pela polícia, não tivesse origem magrebina será que o polícia teria disparado?

A mãe de Nahel, que vivia sozinha com o filho e tinha com ele uma relação de forte cumplicidade, destroçada, utilizou a imprensa e as redes sociais para apelar a uma marcha branca. Pacífica, portanto. Mas quando um jornalista lhe pergunta se a marcha também é de revolta, a mãe diz logo que sim. Nos dias a seguir, as ruas de França estavam em chamas, com carros, transportes públicos, escolas, esquadras, armazéns e mairies atacadas e queimadas, lojas pilhadas em total desordem, uma imensa revolta, mas também muito aproveitamento indevido, que se propagou por dezenas de cidades.

A França vive um mal-estar profundo, com uma grande fragmentação social e muitos bairros em que as populações e, particularmente, os jovens, se sentem estigmatizados e excluídos. A falta de um centro político inviabiliza o diálogo e dificulta a resolução de problemas. O macronismo, que se definiu na sua génese como “nem de esquerda nem de direita”, podia desempenhar essa função, mas pouco mais tem conseguido do que uma antipatia generalizada com as suas políticas. E nesta quase guerra civil era importante unidade política e sentido de Estado.

Mas, em vez disso, a extrema-esquerda, atribui toda a responsabilidade à polícia, critica o abuso da autoridade, fala de exclusão. A direita Republicana, que se radicalizou, e a extrema-direita de Marine le Pen, dão apoio total às forças de segurança, apelam à lei e à ordem e a mais autoridade, indiferentes ao contexto dos quartiers. E ainda mais extremistas que a extrema-direita, o movimento “France Police”, criado por um ex-polícia expulso da corporação, deixou no Twitter a seguinte mensagem: “Bravo aos colegas que abriram fogo sobre um criminoso de 17 anos”. É claro que também existe um problema com a influência da extrema-direita na sociedade francesa, o que não ajuda a apaziguar a cólera.

Paulo Pisco

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA