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Tecnologia, ChatGPT e saúde mental

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A tecnologia sempre fez avançar o mundo e tornar a vida mais fácil para cada um de nós. 

Rejeitar a evolução é inútil, na medida em que, hoje em dia, pouco se faz sem o recurso a alguma tecnologia, nem o mundo esteve tão conectado, com todas as suas vantagens e desvantagens.

Enquanto apreciador de cinema de longa data, o que tanto víamos nos filmes de ficção científica como parte integrante do mundo da fantasia e de um suposto futuro imaginário dos argumentistas e escritores, está e continua a chegar, todos os dias, à realidade. Faz-nos lembrar alguns episódios da série Black Mirror da Netflix, cujo descontrolo da inteligência artificial é perturbador, preocupante e desafiante.  

A inteligência artificial, em desenvolvimento há vários anos, veio para ficar e para nos facilitar a vida, acima de tudo, para gastarmos menos tempo no que nos pode criar melhores resultados. Assim, depois de vários programas e softwares ao longo dos anos, os investimentos gigantescos nestas tecnologias trazem benefícios que devem ser avaliados para que se mantenham mais ganhos que consequências e perdas, no inevitável processo de adaptação que todos somos obrigados a enfrentar.

O ChatGPT é um software de produção de linguagem desenvolvido a partir de gigantes quantidades de informação e dados da internet, para interagir verbalmente e em texto, resultando em textos ou respostas como se fosse produzido por um interlocutor. O motor de busca do programa é um tipo de rede neuronal, chamada transformer, que aprende pela interação de todos os inputs que cada um de nós vai dando, pelas nossas necessidades, perguntas e interacções. Ou seja, ao interagirmos com o software, esta nova geração do ChatGPT aprende por reforço do nosso próprio feedback, não só pelas quantidades de texto conversacional da Internet, mas refinado com revisores humanos (que espero que tenham supervisão e avaliação do seu estado de saúde mental, para não condicionarem com crenças pessoais ideológicas ou políticas).

Por exemplo, durante a pandemia de COVID, a Organização Mundial da Saúde desenvolveu humanos virtuais e chatbots para ajudar as pessoas a parar de fumar

Apesar do conteúdo que recebemos na interação com o ChatGPT parecer inteligente e interactivo com as nossas perguntas e respostas, não tem um funcionamento como um cérebro humano, pois não se baseia em representações da realidade. A sua ação vem diretamente dos processos cognitivos dedicados à linguagem, na camada verbal, ordenando as informações com base em modelos matemáticos que estimam a força associativa de ideias das palavras mais próximas de uma frase e conceito, a partir de informações previamente processadas.

A inteligência artificial do ChatGPT é um salto evolutivo no mundo dos chatbots, pois parece “mais humano”, surpreendendo uns e preocupado e assustado outros. O que os engenheiros fizeram foi ordenar respostas dadas pelo algoritmo de acordo com a força associativa relevante para o tema, com preferências listadas na ordenação para produzir textos com sentido que vão de encontrar à pergunta ou interacção existente.  

Faz-nos lembrar o paradigma de Deese, Roediger e Mcdermott, de 1995, no âmbito da criação de listas de palavras com força associativa dentro de uma categoria, onde as palavras são organizadas pela forma como a força entre si elicitam a palavra-chave que dá origem à evocação da palavra-alvo, que pode ser retirada e criada a falsa memória (ex. luz, calor, toalha, areia, água, gelado, etc., que elicita a categoria Praia, mas que não é dita). Aliás, o que esta lista mostrou, no âmbito de uma investigação sobre depressão e falsas memórias, é que o estado de humor tem um significativo impacto no processamento cognitivo da memória, enviesamento-a para melhor ou pior, consoante a qualidade semântica das palavras.

É por isso que o ChatGPT vai ser muito útil para substituir muito do que fazemos em tarefas humanas, principalmente nas tarefas pouco diferenciadas em que vamos deixar de precisar de gastar horas ou mão humana para o fazer. No entanto, não é correto assumir que ameaça o valor da produção intelectual em si ou a reflexão filosófica ou bem articulada para uma conversa profunda, socrática, sobre um determinado assunto. O valor semântico e emocional da vida não é replicável pela tecnologia. O acto criativo e imprevisível da nossa natureza tem muito mais de emocional do que racional, pelo que haverá sempre um lado que a tecnologia não vai conseguir responder e precisaremos sempre da componente humana.

Hoje estamos gratos às televisões, cinemas, rádios, e não foi por isso que acabaram os jornais ou os livros que são muito mais antigos na história da humanidade. O que a história nos ensina é que o progresso envolve sempre choque e adaptação, com interpretações negativas e rejeições, mas que, quando olhamos mais tarde sobre o impacto dos avanços tecnológicos que graças a ciência tivemos, encontramos mais gratidão e evolução, do que perdição ou regressão.

O que importa é que sejamos nós, humanos, a utilizar as tecnologias e o que estas nos permitem para gerir melhor a nossa vida, e nunca sermos escravos ou dependentes destas. É este o desafio que vemos hoje com as redes sociais e a quantidade de jovens e adultos dependentes, cujo sinal wireless e acesso à internet funciona, toxicamente, como uma garrafa de oxigénio e que mata a criatividade e capacidade de saber o que fazer com tempos livres ou criar formas ou soluções para se tornarem úteis aos outros e ao mundo.

As investigações científicas estão a demonstrar que os chatbots podem ajudar a fornecer formas simples de psicoterapia, principalmente se forem baseado em habilidades e estratégias cognitivo-comportamentais. No entanto, apesar de darem ajuda simples em terapias escaláveis e amplamente acessíveis (convenientes e económicas), outras formas de tratamento mais eficazes e profundas são mais difíceis e limitadas. Há sempre uma componente humana necessária, complexa e menos racional, que a tecnologia não consegue dar.

O mundo está melhor do que nunca e continuamos a evoluir todos os dias e o ChatGPT (e outros) farão parte das nossas vidas para gastarmos menos tempo naquilo que qualquer um pode fazer, e podermos continuar a diferenciarmos por aquilo que nos caracteriza como seres humanos: a capacidade criativa, articulatória e consciência que nos faz sonhar e que nenhum computador artificial consegue imitar. 

Em termos de saúde mental, o que podemos afirmar é que o ChatGPT ou os Chatbots em geral são limitados para nos ajudar de forma aprofundada, pois continuaremos a diferenciar-nos da tecnologia nos fatores de:

– autenticidade e empatia (preferimos humanos do que chatbots – ver estudo)

– timing e sentido de humor

– compromissos com tratamento (assumimos mais responsabilidade com humanos do que com tecnologia – ver estudo)

– avaliação da perigosidade com terceiros ou próprio (risco de suicídio)

– sustentabilidade e eficácia (só 2% das Apps dos telemóveis é que fazem estudos para sustentar o que dizem que fazem – ver estudo)

O mundo avança pela competência associada ao poder, pelo que sem responsabilidade e bom senso, o perigo aumentará sempre. Daí que, com grande poder, vem sempre grande responsabilidade. A tecnologia está ao nosso serviço, para vivermos mais e melhor, mas é preciso prudência e supervisão sobre o poder e sentido de responsabilidade que a tecnologia acarreta, dado o impacto que tem na vida de todos nós.

Ivandro Soares Monteiro

Psicólogo Clínico/ Psicoterapeuta | Fundador & CEO da EME SAÚDE

Associate partner CROWE PT | Professor Universitário @ICBAS

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