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Renata Pallottini: as múltiplas ações de uma artista e intelectual

Figura de destaque em nosso cenário artístico, Renata Pallottini tem produzido, desde os anos 1950, extensa obra como dramaturga, roteirista, poeta, romancista, crítica teatral e professora universitária e granjeado vasto reconhecimento da crítica e do público.

Formada em Direito e Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo, onde lecionou por mais de 40 anos, e em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, costuma dizer que é na poesia onde se realiza plenamente.

Ainda jovem, você se formou em Filosofia e Direito. O que a levou a abandoná-los e a seguir carreira no teatro?

Não abandonei propriamente os temas, mas me afastei da vida profissional ligada a eles. O Direito e a Filosofia sempre me acompanharam como lição de vida. Mas eu não me sentia bem com a profissão de advogada e suas peculiaridades. O teatro sempre me atraíra e voltando de uma bolsa de estudos na Espanha, onde eu pusera minha atenção no teatro clássico, romântico e contemporâneo daquele país, cheguei aqui para encontrar um curso proposto pela EAD (Escola de Arte Dramática), sobre dramaturgia. Aí, eu peguei fogo!

Como define a dramaturgia e a crítica teatral brasileira nos anos 50, quando começou?

A dramaturgia estava explodindo com Nelson Rodrigues. A crítica, nem tanto, pois começou a se concretizar pouco depois, com Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi. E não se pode esquecer Jorge Andrade e Guarnieri, que vinham vindo.

Na Escola de Arte de Arte Dramática que nomes mais a marcaram?

Toda Escola de Arte Dramática foi vital para mim. Tinha aulas, entre outros, com Alberto D’Aversa, Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi, Augusto Boal e, claro, Anatol Rosenfeld.

Anatol foi um grande amigo, prematuramente desaparecido. Foi uma das pessoas mais generosas que conheci. Não se poupava, não escondia o pulo do gato. Passava-nos tudo o que podia e nos tratava como pessoas especiais, nós que éramos, na verdade, calouros. Ele me faz falta até o dia de hoje.

Em 1964, quando ocorreu o golpe militar que instauraria duas décadas de repressão e atraso em nosso país, você começou a dar aulas na EAD. Como foi resistir à censura e às perseguições ideológicas daquele período obscuro?

Resistir à brutalidade de uma ditadura é sempre doloroso. Assim foi para mim. Tanto a ECA (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), quanto a EAD sofreram muito com a repressão política do período de exceção. Nós chegamos até mesmo a ter agentes militares infiltrados nas salas de aula. Eu fui diretora da EAD por dois anos, na década de 70. A censura vigente nos criava vários problemas. Uma peça minha, chamada Enquanto se Vai Morrer, escrita em 1972, foi totalmente censurada.

Que lembranças guarda de Alfredo Mesquita, fundador da EAD? E como se deu o processo de incorporação da EAD à Universidade de São Paulo?

Alfredo foi um grande amigo e um chefe brilhante, inolvidável. O processo de passagem da EAD para a USP foi longo e complexo, mas que acabou bem.

Sua estréia como dramaturga, em 1965, foi com O Crime da Cabra, que rendeu o Prêmio Molière. Mais tarde um pouco, com O Escorpião de Numância, você ganhou o Prêmio Anchieta. Os prêmios têm algum significado especial para você?

Prêmios significativos são sempre um estímulo. E estes prêmios eram bastante prestigiosos na época. Uma coisa é certa: eu tive sucesso de crítica no meu trabalho.

Exercício da Justiça, O Crime da Cabra, Uáite Crístimas, O Vencedor e A Lâmpada, são peças onde o tema justiça é recorrente. Alguma influência da ex-advogada?

Com certeza, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, eu aprendi que a justiça é um valor eterno.

Você ingressou na televisão em 1972, fazendo parte da equipe de redação do programa infantil Vila Sésamo, da Rede Globo. Para um dramaturgo, como é escrever para televisão, onde se trabalha essencialmente em função do mercado?

Em Vila Sésamo,apesar da grande liberdade de ação que tínhamos como realizadores, havia um censor federal sempre de plantão no set de gravações. Mas, de qualquer maneira, foi uma empreitada deliciosa, uma das boas lembranças que guardo da televisão.

E a experiência de escrever poesia?

Na poesia eu me realizo com plenitude. Admiro alguns poetas, pois seus poemas são verdadeiras armas transformadoras e denunciadoras das condições individuais e sociais de suas épocas. Um exemplo é a Balada do Cárcere, de Oscar Wilde, que acabaria por denunciar com firmeza as condições carcerárias da época.

Poderia nos falar um pouco sobre as traduções e adaptações que fez?

Sempre entendi que no trabalho com textos estrangeiros a única coisa que não se deve fazer é trair a idéia central do autor. Mas é possível optar por certas atualizações, como, por exemplo, trazer Romeu e Julieta para os tempos atuais, sem, no entanto, negar a sua essência, ou seja, o amor que é obstaculizado por suas famílias.

Sabemos que há décadas tem uma forte ligação com Cuba. O que pode nos falar a esse respeito?

Tenho dado, desde 1988, aulas de dramaturgia da EICTV (Escuela Internacional de Cine y Television). Pude conhecer bem o país, das mais altas esferas às camadas mais simples do povo cubano. Vou muito à ilha, seja para trabalhar, seja para rever amigos e aproveitar suas belezas naturais. Lá vivi experiências únicas. O povo cubano é apaixonado pelo Brasil , valoriza imensamente nossa cultura. Trata-nos com imenso carinho. Torce por nosso trabalho.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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