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Portugueses desenterram segredos de campo de concentração croata

© DR

Na ilha croata de Pag funcionou durante o verão de 1941 um campo de extermínio do governo fascista croata apoiado pelos nazis alemães e pelos fascistas italianos, esquecido pela história e atravessado atualmente pelo trilho desportivo com o nome “Life on Mars”. 

De acordo os arqueólogos portugueses que participaram no primeiro estudo na ilha de Pag, um dos roteiros turísticos é a promoção da caminhada “Life on Mars” (Vida em Marte) “porque o terreno é rochoso”, atravessando um dos trilhos o campo de extermínio de Slava, sem que exista qualquer informação sobre o local onde, em 1941, “foram torturados e assassinados milhares de judeus, sérvios e antifascistas croatas”.

Os arqueólogos portugueses Sara Simões e Rui Gomes Coelho participaram recentemente na primeira intervenção científica sobre o campo de extermínio de Slava, em Pag.

“Na Croácia tendem a marginalizar a informação deste tipo de situações”, disse à agência Lusa o arqueólogo Rui Gomes Coelho.

Slana foi um campo de extermínio criado pela Ustaše, o movimento fascista responsável pelo Estado Independente da Croácia entre 1941 e 1945, um regime aliado da Itália fascista e da Alemanha nazi.

O campo de Slava fazia parte do complexo de campos de concentração de Gospić, Jadovno e Pag.

Após o encerramento do campo de Slava, em agosto de 1941, o Exército italiano documentou o local, exumando e incinerando os restos mortais de uma parte das vítimas da Ustaše.

 “Pretendemos tornar visível a existência deste campo de uma forma pedagógica, educativa e quando digo educativa estou a falar da educação política, porque nós estamos num momento de revisionismo histórico como vimos nas eleições em Itália, como o que está a acontecer na Hungria ou na Polónia”, disse Rui Coelho referindo-se também ao crescimento da extrema-direita no continente.

“Há um movimento de extrema-direita por toda a Europa que, em grande parte, nega a existência do Holocausto ou relativiza a existência do Holocausto e de todos os outros genocídios que aconteceram na Europa durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e tornar visível um sítio destes é uma forma de trazer à conversa assuntos que são muito importantes para a nossa vida atual, enquanto cidadãos da Europa”, afirmou.

Rui Gomes Coelho frisa que esta investigação não é apenas importante para a região onde se encontrava o campo de Slava, mas também para a Europa, concentrando-se o trabalho dos arqueólogos também na elaboração de “instrumentos de gestão para a vida do local histórico que nunca foi memorializado”.

 Segundo o arqueólogo foi instalada uma placa nos anos 1980 que indicava a existência do campo de extermínio da ilha de Pag, mas a placa foi destruída tendo sido reposta e destruída novamente.

“O campo não é lembrado oficialmente, só pelas minorias judaica e sérvia. O local nunca aparece em roteiros turísticos”, explicou o arqueólogo.

Rui Gomes Coelho disse ainda que perto de Slava, numa aldeia que se chamava Metaina, foi instalada em 1941 uma casa onde eram “concentradas” as mulheres, independentemente da origem étnica. 

“Na prática era uma espécie de centro de violação. As mulheres eram encerradas naquela casa, eram violadas e depois eram mortas. A casa hoje, surpreendentemente, é uma escola primária sem qualquer indicação do que aconteceu”, refere o investigador.

O principal objetivo dos investigadores foi fazer o levantamento integral e arqueológico do campo, porque nunca tinha sido documentado de forma científica, e localizar os pontos onde se encontravam os barracões, as tendas e os edifícios da administração.

Durante os trabalhos foi efetuado o levantamento dos restos materiais de uma parte do complexo.

“Muitos dos objetos estão relacionados com a construção do próprio campo, além de objetos pessoais. Para mim, os objetos mais impressionantes são os botões, porque são extremamente pessoais, e os cartuchos das balas. Encontrámos vários e esses cartuchos foram disparados para matar”, disse Rui Gomes Coelho sobre as práticas dos genocidas.

“Ainda que não haja o nome de uma pessoa, nós sabemos que está ali uma história individual condensada e que acaba por narrar a experiência trágica de um indivíduo. As pessoas eram assassinadas e enterradas em valas comuns ou atiradas ao mar”, frisa o arqueólogo acrescentando que paralelamente estão a ser recolhidas as memórias orais dos acontecimentos.

“Há relatos de corpos que apareciam a boiar junto às aldeias da costa porque as correntes as levavam. Ainda hoje se fala nisso”, explicou, referindo que os principais documentos sobre o complexo se encontram em arquivos italianos.

Os trabalhos foram levados a cabo no âmbito de um novo projeto internacional e interdisciplinar, do qual fazem parte os investigadores do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ), Sara Simões e Rui Gomes Coelho.

“Trata-se de um projeto pioneiro”, com a introdução da arqueologia na investigação de campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, e teve o apoio do Conselho Nacional Sérvio, organização da minoria sérvia na Croácia.

“O trabalho interdisciplinar de profissionais da história, história de arte, antropologia e arqueologia, servirá para enfrentar narrativas revisionistas e para informar práticas de conservação e gestão patrimoniais”, reforça o último boletim (n.º68) da publicação UNIARQ digital.

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