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Portugal no coração

Um abraço bem apertado, beijinho nas faces, e as habituais recomendaçôes que o meu filho Miguel não deixa passar em vão sempre que eu me ausento de casa por uns dias.

A essas recomendações, o Zé Pedro acrescentou: “não te esqueças de comer um cachorro especial, francesinha, beber Sumol, leite chocolatado, e…não abuses dos bolos, mas moderadamente ataca na nata, no pastel de feijão, na bola de berlim, no croissant de coco e… a verdadeira ciência do desafio que te proponho é tão simples quanto isto… não aumentes um único grama sequer, ao peso que já tens.”

Quem disser que o rapaz não tem sentido de humor então é porque não entende mesmo nada do assunto.

Nunca faço tudo o que, muitas vezes apenas mentalmente, planeio fazer aquando da minha visita a Portugal, nunca vejo todas as pessoas que gostaria de ver, nunca vou a todos os lugares que antes de partir pensei que iria, nunca chego a matar saudades de todas as iguarias gastronómicas que não só as da pastelaria, iguarias algumas das quais até é mais a saudade do que propriamente um grande apetite (ocorreu-me agora mesmo que não cheguei a comer uma alheira, com ovo estrelado, arroz, batata frita e uma salada).

Apesar de tudo, estes sete dias em Portugal foram, como sempre, muito preciosos.

Preciosos pelo tempo que passei com o outro grande amor da minha vida, agora com oitenta e sete anos a pesarem nuns ossos que nunca foram muito fortes, apesar da muita dinâmica de trabalho que sempre teve.

Sete dias passam muito depressa em qualquer circunstância. Faz-se o que se pode, e o que se não pode, fica sempre a esperança, vinculada com a promessa de que para o ano será tudo mais bem aproveitado e bem melhor.

Mesmo assim, apesar do pouco tempo que levei comigo para dispender em Portugal, ainda passei na Rádio Felgueiras e estive à conversa com dois bons amigos, o Pedro Alves e o Agostinho Duarte. Outros que faziam e fazem parte da Rádio e que são do meu tempo, não os podendo ver porque não estavam lá nessa altura, deixei um forte e saudoso abraço.

Passei no café Jardim onde estava combinado encontrar-me com o Raúl.

Ir a Felgueiras e não ir ao café Jardim tomar um cafézinho, pelo menos um cafézinho, é como ir a Roma e não ver o papa.

Neste caso, eu diria que é mais imperdoável ir a Felgueiras sem passar pelo café Jardim, uma vez que em Roma o papa pode estar fora, nos seus compromissos papais, mas em Felgueiras, o café Jardim está, como sempre tem estado desde há muitos e muitos anos, a fazer jus ao seu estatuto de ícone na cidade.

O café Jardim faz parte não só da história de Felgueiras mas também de uma boa parte da história da minha adolescência. 

Lembro-me bem de lá ir muitas vezes, com o meu melhor amigo, o Diogo, e de nem ser preciso fazermos o pedido porque a dona Rosa muito prontamente logo dizia, “Ora saia lá um cachorro, uma coca-cola e uma dose de pudim.” (Quem, em todo o concelho de Felgueiras e arredores, fazia um pudim melhor do que o da dona Rosa?).

Foi também no café Jardim que apresentei o meu plano de fuga ao Diogo, e porque nessa altura tínhamos pouco mais de dezasseis anos de idade, o Diogo deixou pousar os braços no balcão, aquele longo balcão com bancos giratórios a todo o seu comprimento e disse-me, com um olhar que se perdia por uma ponta do balcão à outra: “Fugir para onde, para quê, e como…?”

E eu disse, para onde, para o fim do mundo, porquê, porque estou farto desta merda, e como, bem… arranjei o mapa de Portugal.

E o Diogo mais nada disse, porque vistas bem as coisas, um tipo que quer fugir para o fim do mundo e seus arredores, e arranja um mapa de Portugal… está apresentado.

O Raúl chegou quando eu estava à conversa com o Zé Mário.

Quem conhece o Raúl, sabe bem que quando ele chega com o seu sorriso rasgado, traz boa disposicão, e à medida que a conversa se vai desenrolando, o que com ele se faz de uma maneira natural e fluente, o sorriso passa muitas vezes a uma boa gargalhada que, para mim, é uma das características que sobressaem nele, e por esse motivo, aquela hora, ou pouco mais o menos, que eu, ele e o Zé Mário, entusiasmados com memórias do passado, passamos são momentos que não têm preço.

O Zé Mário recordou coisas de que eu já não me lembrava, e quando ele as trouxe à baila quase fiz um esforço para não mostrar fraquezas, aquelas fraquezas com que os homens têm a mania de se sentir embaraçados, quando mostrar as emoções deveria ser motivo de orgulho e alegria (apesar de umas lágrimas… ou… okay, lágrimas não, apenas os olhos marejados).

Quase não resisti a essas emoções quando o Zé Mário me lembrou uma equipa de futebol que eu mesmo criei, com talvez quinze anos ou até menos, equipa essa que se chamava Bayern Clube de Felgueiras, para participarmos num torneio de futebol que ele mesmo e um outro amigo organizaram.

Se a memória não me falha, foi o Mário Adão Magalhães, colunista do BOM DIA, que ajudou a criar o logotipo do cartão de jogador do B. C. F. porque… sim, mesmo tenros de idade, levávamos as coisas a sério.

Lembrámos também as corridas de motos em Felgueiras, com segurança zero, em que a verdadeira aventura era os pilotos, e grande parte dos assistentes, escaparem com vida até ao fim da corrida.

Este pouco tempo que estive à conversa com o Raúl e o Zé Mário teve um valor que, mesmo eu, que às vezes tenho a mania que sei usar as palavras, neste caso, nem sequer consigo descrever com a fidelidade merecida a forte emoção causada.

Estávamos na véspera de partir. Bem, neste caso, o Zé Mário de ficar, ficar a engrandecer o Café Jardim, como o têm feito gerações da sua família, o Raúl de regresso ao Luxemburgo e eu de regresso a Inglaterra.

A cereja no topo do bolo foi aquela meia hora em casa do meu melhor amigo de sempre, o Gomes Diogo. 

É com enorme emoção que falo nele, porque afinal, o que temos de melhor nesta nossa sempre curta passagem pela vida terrena, não são as conquistas materiais, (muito embora elas não deixem de ter a sua importância também) mas a capacidade que temos de valorizar as amizades com aqueles que foram parte da nossa vida e nos marcaram, tanto que, como no caso do Raúl, Zé Mário e o Diogo, quando nos voltamos a cruzar, é como se estivessemos sempre a conviver, sem intervalos tão longos.

Por isto, pelos amigos, pela familia, e por tudo o resto que vem associado, é que trazemos Portugal no coração.

António Magalhães

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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