A procura por mestrados disparou nas últimas duas décadas, passando de dois mil para 32 mil, mas as propinas de alguns cursos impedem muitos de prosseguir os estudos, alerta um especialista em economia de educação.
Há mestrados que custam mais de 15 mil euros e até quase 20 mil, mas também há outros com propinas exatamente iguais aos valores das licenciaturas (menos de 700 euros anuais).
As instituições de ensino superior têm autonomia para definir os valores e quem manda é o mercado, baseando-se “na procura e no estatuto da instituição”, explica o especialista em economia de educação, Belmiro Gil Cabrito.
A procura começou a aumentar há duas décadas, com a Declaração de Bolonha, que veio tornar comparáveis os diferentes sistemas de ensino superior europeu. As licenciaturas passaram de cinco para três anos.
“Houve uma degradação e diminuição do valor do mercado da licenciatura”, sublinhou o professor associado do Instituto de Educação, da Universidade de Lisboa, baseando-se em estudos realizados em França.
A realidade portuguesa mostra que, até então, a aposta das famílias era conseguir que os filhos tirassem uma licenciatura, havendo “poucos mestres”. No ano em que foi assinada a Declaração de Bolonha, em 1999, formaram-se em Portugal menos de dois mil mestres e cerca de 30 mil alunos terminaram a sua licenciatura, segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC).
Em apenas 10 anos, o número de novos diplomados cresceu quase 10 vezes, continuando a ser distante o número de licenciados e mestrados. Em 2023, a diferença estava já muito mais esbatida: Cerca de 56 mil terminaram uma licenciatura e outros 33 mil o mestrado.
Apesar do aumento, “a acessibilidade aos mestrados não é igual para todos”, alerta o professor aposentado. Se as instituições ligadas às humanidades optam por valores mais próximos da propina mínima, alguns cursos científicos apresentam “mestrados com propinas pela hora da morte”.
O defensor da universalidade e gratuitidade da Educação lamenta que as Instituições de Ensino Superior (IES) usem a forma como o “mercado olha para os cursos” para definir os valores a pagar pelos alunos, tornando-os no ‘elo mais fraco’”.
“Há uma construção de estatuto social que se vai construindo. Há cursos que são percecionados como sendo muito bons e com muita saída profissional. Aparecem num ‘ranking’ internacional e têm professores mais reconhecidos. Mas há professores realmente bons em todas as instituições”, diz Belmiro Gil Cabrito.
Os cursos mais apelativos são os das áreas das engenharias e de gestão, destacando-se os da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE), do ISCTE ou do ISEG.
O “mestrado regular com CEMS MIM”, da Nova SBE, por exemplo, custa 19.650 euros. É um programa “na vanguarda da oferta de mestrados”, lê-se no ‘site’ da instituição, que explica que no 1.º ano os alunos seguem o currículo do mestrado de Gestão e no 2.º ano combinam “temas transversais, cursos, seminários e projetos desenvolvidos” pelas 34 escolas de negócios da Aliança.
Em troca de quase 20 mil euros, estes alunos podem estudar um semestre na Nova SBE e outro numa das 33 melhores escolas de Gestão do mundo.
Há outro mestrado de Gestão da Nova SBE com “double degrees”, que custa 16 mil euros e também prevê que parte da formação seja feita numa instituição parceira.
A escola garante estar “consciente das dificuldades de algumas famílias para fazer face a este investimento” e por isso atribui anualmente bolsas de estudo, tendo “satisfeito 100% dos pedidos elegíveis de apoio financeiro” no ano passado, refere o gabinete de imprensa em declarações enviadas à Lusa.
O professor Belmiro Gil Cabrito sublinha que muitas vezes não é suficiente: “Tem aumentado o valor das bolsas em número e em dinheiro, mas quando um dos pais está desempregado ou quando os dois ganham o salário mínimo já fazem grande ginástica para chegar ao fim do mês. Tenho sérias duvidas que não haja desistências por incapacidade financeira. Se isso acontece com as licenciaturas, muito mais acontece nos mestrados”.
O especialista lamenta que o preço de alguns mestrados impacte em muitos candidatos que “certamente gostariam de continuar a estudar, mas não podem”.
O mestrado em Gestão do ISCTE foi desenhado para “dar continuidade à formação de 1.º ciclo em Gestão”, mas a propina é de 7.350 euros. Também no ISCTE Business School, são precisos 5.800 euros para o mestrado em Métodos Analíticos para a Gestão, e 6.850 euros para o curso de Contabilidade e Controlo de Gestão.
Ali perto, no ISEG, também há cursos que custam, pelo menos, sete mil euros: As propinas do mestrado em Finance são 7.900 euros, as de Management são 7.800 euros e as de Ciências Empresariais são sete mil euros.
“Existem propinas bem diferenciadas para a mesma coisa”, alerta o investigador, lembrando que neste campeonato também conta o “estatuto que a instituição tem de si”.
A Universidade do Porto (UP), que tem as médias de acesso mais altas do país para as licenciaturas de Gestão e Economia, apresenta por outro lado propinas de mestrados muito mais baixas.
O acesso aos quatro mestrados de continuidade “dirigidos a recém-licenciados” da Faculdade de Economia custam 1.500 euros, assim como os mestrados de Especialização dirigidos a quem quer “reforçar as suas competências nas áreas específicas dos cursos para potenciar as suas carreiras”.
No entanto, os “mestrados executivos” da Faculdade de Economia da UP já se aproximam dos sete mil euros.
No Instituto Politécnico de Tomar, por exemplo, os 18 meses de mestrado em Gestão custam 2.100 euros e no Politécnico de Santarém as propinas para o mesmo mestrado são de mil euros por ano.
Dentro da mesma instituição, as propinas variam consoante a formação oferecida: No Politécnico de Santarém, os mestrados na área da Enfermagem Comunitária custam 1.500 euros por ano, enquanto o mestrado de Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica tem um valor de dois mil euros anual.
Em algumas áreas, como Medicina ou Arquitetura, é exigido o mestrado para se poder exercer a profissão. Nestes casos, são mestrados integrados com propinas iguais às das licenciaturas.
“Apesar do esforço que o Estado faz com residências – que continuam a ser poucas, mas isso não significa que não gaste milhões – com refeições, oferecendo preços de cantina verdadeiramente inferiores ao custo real da comida, e com bolsas, ainda há muitos que ficam para trás”, lamentou.
Para o especialista, um dos grandes problemas associados aos valores dos mestrados está relacionado “com a desresponsabilização do Estado” que, nos últimos anos, tem deixado que as instituições sobrevivam sozinhas.
Em 1995, 95% do orçamento das IES provinha do Orçamento do Estado e apenas os restantes 5% advinham de propinas, doações ou projetos de investigação.
Atualmente, as IES têm de cobrir mais de 40% do seu orçamento, diz o especialista. “Onde vão buscar o dinheiro? Às propinas”, observa, explicando que, no geral, só as propinas do 1.º e 2.º ciclos rondam entre os 16% e os 17% do orçamento das IES.
“Vão buscar o dinheiro aos alunos e se puderem cobrar mais, cobram mais. A parte mais fraca são os alunos”, lamenta.
Resultado: “Entre possíveis futuros mestres, muitos não o são por incapacidade financeira e estes acabam por ser penalizados depois também no mercado de trabalho, com empregos mais precários”, critica.
Belmiro Gil Cabrito lembra que perante dois candidatos, em que um tem uma licenciatura e outro tem um mestrado, “é natural que o empregador prefira, para a mesma função e a pagar o mesmo, ter um mestre em vez de um licenciado”.