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Passeios de Domingo

“São seis barrilinhos d’ovos moles de Aveiro. É um doce muito ‘chic’.”

Eça de Queiroz em ‘Os Maias’

Algo que me marcou na minha infância, foram os passeios de domingo. Os meus domingos na altura eram bem diferentes dos de hoje, a começar pela vestimenta. No passado, ao domingo acordava bem cedo e era obrigatório vestir a melhor roupa do guarda vestidos. Vestidos às flores e sapatos de verniz que apertavam os dedos, o anel de ouro no dedo anelar e a pulseira de ouro com o meu nome, que fora dado pelos meus avós.

Andava à guerra com a minha irmã mais velha, para me deixar usar as coisas dela, e depois de tanta guerra de esgueira entrava no quarto dela e abusava de tudo o quanto pudesse antes de ser descoberta.

Depois, de peito cheio, e com a satisfação de missão cumprida aparecia na sala, com um risco rosa todo torto nos lábios, com um círculo de pó de arroz bem em cima do nariz e a cheirar a perfume que tolhe.

A minha mãe: “DÉVORA RAQUEL!!! Mexeste nas coisas da tua irmã?”, e eu “Foi só um bocadinho…”, com a minha irmã a lançar-me o olhar fatal, que só ela tem.

O meu pai, impaciente à espera de três mulheres, começava a buzinar desde do carro para nos pressionar a descer, no fundo, era a minha salvação porque a pressa de sair de casa não deixava a minha mãe aplicar-me o castigo.

E lá íamos nós, o restaurante selecionado para o almoço de domingo era uma churrasqueira em Matosinhos, porque a seguir a minha mãe queria ir aos ovos moles a Aveiro. E assim eram passados os domingos em família. Para se fazerem 78 quilómetros atrás de uma iguaria, estes só podem ser muito especiais.

Os ovos moles de Aveiro, são uma das mais famosas iguarias da doçaria conventual da gastronomia portuguesa. No século XVI, surgem no Convento de Jesus de Aveiro. Enquanto as freiras usavam as claras de ovo para engomar roupa e outros afins, às gemas começaram a juntar açúcar para não irem para o lixo. E também, as freiras aproveitaram as gemas, pois frente à fome que o país atravessava na altura era uma boa fonte de proteína para combater as anemias.

Estas doceiras prendadas, guardaram consigo a receita dos ovos moles, e quando os conventos foram encerrados este doce começou a ser comercializado. Os ovos moles são servidos em folha de hóstia, moldados em formas que caracterizam a tradição piscatória da cidade de Aveiro, com esta proximidade com o mar os doces surgem em forma de búzios, peixes ou conchas. Mas também podem ser vendidos em pequenos barris pintados à mão.

Quando for a Aveiro, ainda pode degustar os ovos moles na confeitaria Peixinho, que comercializa estes doces há já 160 anos.

Ou então, atreva-se e faça você mesmo a sua versão:

Ovos Moles (versão não original)

Ingredientes:

  • 10 gemas
  • 75 gr. de farinha de arroz
  • 350 gr. de açúcar
  • 2 dl de água
  • 1,5 dl de água

Confeção:

Com o açúcar e 1,5 dl de água faz-se um ponto de espadana.
Desfaz-se a farinha de arroz nos 2 dl de água e mistura-se com a calda, deixando ferver durante 5 minutos, mexendo sempre.
Em seguida batem-se as gemas e misture ao creme.
Leve novamente ao lume até ficar ligeiramente espesso.
Sirva em tacinhas.

Dedicado à minha Mãe, ao meu Pai e à minha Irmã (mais velha).

Dévora Cortinhal

 

 

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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