“Ninguém está ao abrigo da deportação”, afirma instituto norte-americano
A promessa de deportação em massa de imigrantes ilegais feita pelo recém-eleito Presidente norte-americano, Donald Trump, pode atingir “cidades santuário” como Newark, com muitos portugueses, afirmou à Lusa o ‘think tank’ Migration Policy Institute (MPI).
Newark, localizada no estado norte-americano de Nova Jérsia e que acolhe uma das mais significativas comunidades portuguesas nos Estados Unidos, é uma das várias “cidades santuário” do país, onde existem leis locais e estaduais que protegem a população indocumentada e que acabam por ser um refúgio para pessoas que ainda não conseguiram regularizar a sua situação.
Porém, a analista de políticas de imigração do MPI, Colleen Putzel-Kavanaugh, indicou à Lusa que até mesmo essas “cidades santuário” podem tornar-se alvo de operações por parte da agência federal de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês).
“Certamente é possível. Acho que começaremos a ver – e muitos estados já têm – legislação que proíbe as suas autoridades locais de cooperar com o ICE, mas isso não significa que os agentes não possam entrar nessas cidades, apesar de uma cooperação das autoridades locais geralmente tornar o trabalho deles muito mais fácil”, observou Putzel-Kavanaugh, que é especialista na fronteira EUA-México.
“Acho que veremos um padrão desigual entre os estados, dependendo da disposição de cooperarem ou não com o Governo federal. Mas, para essas cidades santuário, o risco provavelmente ainda estará lá”, frisou.
Donald Trump, que foi eleito na semana passada o 47.º Presidente norte-americano, teve como uma das suas maiores bandeiras de campanha a promessa de concretizar a “maior deportação em massa da história” do país.
O ainda chefe de Estado, Joe Biden, chegou a reconhecer que a política de controlo de entradas de imigrantes pela fronteira com o México tinha de ser revista, um problema que acabou por moldar a corrida à Casa Branca e que, potencialmente, contribuiu para a derrota do Partido Democrata.
Em entrevista à agência Lusa, Colleen Putzel-Kavanaugh avaliou que, apesar das promessas de Trump, não será fácil colocar em prática esse plano de deportação devido aos elevados recursos que exigirá – não só financeiros, como também humanos.
“Envolveria recursos para realmente encontrar esses imigrantes onde eles estão. Realizar uma deportação requer espaço de detenção, requer comunicação com o país de origem para aceitar de volta o seu cidadão, requer um avião para remover a pessoa e todas essas coisas são muito caras. Os recursos atuais não permitiriam o tipo de deportação que Trump fala”, defendeu a especialista.
O Conselho Americano de Imigração estimou que a deportação em massa na escala prevista por Trump poderia custar 315 mil milhões de dólares (299 mil milhões de euros) ao país, incluindo os custos económicos mais amplos como o impacto no mercado de trabalho.
A favor do seu plano, Donald Trump tem o facto de o Partido Republico ter conseguido o controlo total do Congresso nas eleições de 05 de novembro, o que lhe dará maior acesso a verbas federais para financiar o ICE.
Há cerca de 11 milhões de imigrantes indocumentados nos EUA, segundo estimativas do Departamento de Segurança Interna de 2022, o ano mais recente com dados disponíveis — embora Trump tenha afirmado, sem evidências, que o número real é cerca do dobro.
Apesar da possibilidade de os republicanos conseguirem assegurar um maior financiamento para as deportações, a especialista do MPI frisou que seria ainda necessário encontrar e contratar funcionários para se juntarem ao ICE, uma situação que poderá não ser fácil de contornar.
“Além disso, as deportações exigiriam coordenação com o país de origem do cidadão e há alguns países com os quais os EUA não têm laços diplomáticos muito bons. Logo, é muito mais difícil remover pessoas para esses países. Há também outros Estados que simplesmente não têm a infraestrutura para aceitar um grande número dos seus cidadãos. Tudo isso atrasará ou dificultará as deportações”, assegurou.
“Acredito que os recursos são uma grande parte da equação, mas há tantas peças diferentes neste quebra-cabeça que tornariam difícil implementar deportações na escala que Trump está a prometer”, advogou Colleen Putzel-Kavanaugh.
Independentemente de restrições e obstáculos logísticos, a analista admite que a conversa que se instalou no país sobre deportações em massa “realmente levou a uma enorme sensação de medo” entre imigrantes.
Essa sensação de medo poderá ter consequências mais profundas, com imigrantes a temerem ir à polícia local para denunciarem, por exemplo, casos de violência doméstica ou abusos no local de trabalho, sinalizou.
O medo de entrar em contacto com as autoridades – com receio de serem deportados – pode levar “imigrantes a perderem benefícios para os quais são elegíveis, terem medo de enviar os seus filhos para a escola ou até mesmo de levar os seus filhos a brincar com os amigos”, acrescentou.
“Acredito que esses danos são incrivelmente prejudiciais para as famílias em muitos níveis. Obviamente, há efeitos muito específicos que aconteceriam se essa deportação em massa acontecesse, mas até mesmo os planos já estão a causar prejuízos”, defendeu a especialista.
Além disso, a analista do Migration Policy Institute realçou que uma deportação nesse nível poderia afetar economicamente o país, com setores como o hoteleiro ou agrícola a serem os mais penalizados por perderem repentinamente mão-de-obra.