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Nem vê-los, Ermelinda, nem vê-los!

Hoje o assunto é delicado, muito delicado, por causa deste idioma maravilhoso que vive em mim que é o Português.

Eu sou muito grata às pessoas, por tudo o que fazem por mim na vida, e tenho prazer em mostrar o quão agradecida sou.

A semana passada, no artigo dos ovos moles, dediquei o à minha família de sangue, visto que eles me deram sempre motivos para sonhar, e me deram as bases para ser a pessoa que sou hoje. Esta semana, gostava de dedicar esta história à família do meu marido, que me acolheu, e que desde do início me tratam como membro de sangue da família. Então, comecei a pesquisar que doce conventual tem origem em Vila Real, visto que eles são de lá, de uma pequena aldeia chamada Souto de Escarão.

Desde que convivo com eles, aprendi que o português deles tem palavras com um sentido completamente diferente do meu. Por exemplo, muitas vezes os ouvia falar das lojas de Souto, mas quando lá fui a primeira vez, nem uma loja havia. E agora, deparo-me com os Pitos de Santa Luzia, e para meu descanso, não têm o mesmo sentido em Vila Real que têm no Porto.

Por isso, não podia deixar de contar a história destes doces, que apesar de fazer parte da doçaria conventual, foram criados por uma noviça e não levam doce de ovos.

Este doce tem uma história incrível, como tudo nas terras frias de Portugal. As terras são chamadas assim, mas não é por causa das pessoas, as pessoas de Vila Real são simples, mas cheias de amor para dar, e a hospitalidade é uma qualidade que faz parte do seu ADN.

Os pitos de Santa Luzia, têm origem no antigo convento de Santa Clara. Ganharam forma e paladar pelas mãos de Maria Ermelinda Correia, uma noviça, que, segundo reza a história, era muito gulosa.  Foi este defeito que levou a família a pedir para ela se tornar freira, na esperança do defeito se transformar em algo de bom. Então, quando foi servir para o Convento de Santa Luzia, entre um noviciado na cozinha e o apoio aos pobres e doentes, a que a Ordem dava pousada na ala hospitalar, criou os doces.

A Madre superiora, ao saber do seu pecado, proibiu-a de comer doces, e dizia lhe “nem vê-los, menina Ermelinda, nem vê-los!”.

Com grande tristeza, Ermelinda tornou se assim devota de Santa Luzia, santa padroeira dos cegos e das coisas da vista. Não se sabe ao certo a razão da escolha, pensa-se que teria feito essa escolha, para agradar à Madre superiora, já que esta via muito mal.

A Ermelinda não desistiu da sua tentação – já dizem as sagradas escrituras que depois que o desejo se torna fértil no coração dão origem ao pecado – e a juntar a isso à Ermelinda imaginação não lhe faltava, depois de passar a manhã  a fazer curativos de  “pachos de papas de linhaça“, a uns quantos doentes, deu-se lhe um flash de criatividade, e inspirada na história das rosas na algibeira da Rainha Santa Isabel, começou, já na cozinha, por fazer uma massa de farinha, pois não tinha acesso a mais nada, e cortou-a em pequenos quadrados. Não tinha doce, mas, como guardava religiosamente a pequena quantidade de açúcar que lhe cabia na porção diária das refeições, fez uma compota de abóbora.

Tinha tudo para dar certo, o tacho da compota ao lume não levantava suspeitas. As cascas e sobras só lembravam o pouco uso que tinha no caldo e o muito na engorda do gado. E a massa escurecida pelo ponto do açúcar não seria mais do que a linhaça da mezinha, que se quer cozida. Era o plano perfeito para sair daquela vida amarga, sem o prazer de um ou mais doces.

Dobrou a massa por cima da compota, à imagem dos “pachos”, e cozeu-os no forno sempre quente a qualquer hora do dia. Despachou-se em seguida a escondê-los debaixo da cama na sua cela.

Quase que era descoberta, no caminho entre a cozinha e a cela, cruzou-se com a Madre Superiora. O que a safou foi que no meio da escuridão a abadessa pergunta-lhe o que levava no tabuleiro. A velha senhora ainda espreita para ver se adivinha, mas a jovem noviça logo responde: “São pachos de linhaça Irmã Madre… para os meus doentinhos que amanhã virão”.

E assim satisfez a gula esta noviça. Não eram muito agradáveis à vista, mas, ao menos, calavam na profundeza da alma o pecado que não sentia porque, comendo-os na escuridão da cela e da noite, já diz o ditado “do que não se vê não se peca”.

Ao longo do tempo, o doce começou a ser usado como símbolo de trocas e promessas de amor, talvez porque as jovens namoradeiras quisessem esconder dos pais os amores proibidos. Então, todos os anos, no 13 de dezembro, estas jovens meninas no escuro da noite, iam declarar aos seus amados o seu amor, oferecendo um Pito de Santa Luzia.

História linda e engraçada, que só podia vir de uma terra tão magnifica e cheia de história como Vila Real.

Faça você esta pequena iguaria, e partilhe com quem ama.

INGREDIENTES PARA CONFECIONAR (Receita do Chef Hernâni Ermida)

Massa

320g de farinha sem fermento

50g de açúcar

80g de banha de porco

2 dl de água fria

Farinha para polvilhar

Açúcar e canela para polvilhar

Recheio

350g de compota de abóbora

7 gemas

PREPARAÇÃO:

1.Comece por preparar o recheio, deite a compota para um tacho e leve ao lume ate começar a ferver junte as gemas ligeiramente batidas. Mexa bem até ferver e a colher fazer estrada no fundo do tacho, retire do lume, deite para uma tigela e deixe arrefecer.

  1. Prepare a massa deite a farinha em cima da mesa, abra uma cavidade junte o açúcar, a banha ligeiramente derretida e a água, misture tudo e trabalhe bem a massa até ficar macia. Deite-a para uma tigela polvilhada com farinha, cubra com um pano e deixe descansar durante 40 minutos.
  2. Forre o tabuleiro do forno com papel vegetal, polvilhe a mesa com farinha, deite a massa em cima da mesa e, com a ajuda do rolo, estenda a massa até ficar com uma espessura fina. Depois, corte-a em quadrados de 12,5 x 12,5, ponha ao centro de cada quadrado uma colherada do recheio frio, una as quatro pontas, aperte os lados da massa para o recheio não sair e ponha no tabuleiro. Leve ao forno durante 25 minutos, retire, deixe arrefecer e sirva polvilhados com açúcar e canela.

Dedicada à família Pádua, a minha Família.

Dévora Cortinhal

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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