As redes sociais levam os jovens a uma vida extremada e brutalmente intensa, com experiências positivas e negativas a acontecerem ao mesmo tempo, afirma a investigadora e docente da Universidade de Coimbra Inês Amaral.
“As experiências [nas redes sociais] são negativas e positivas, tudo ao mesmo tempo. É como se fosse o dia-a-dia das pessoas, mas ali. As pessoas podem ser assediadas ou assediar fora da rede, mas ali tudo é muito mais imediato. Isso faz com que, por um lado, as pessoas tenham uma grande tolerância, mas também há o outro extremo, que é a ansiedade e stress” gerados, disse à agência Lusa Inês Amaral.
A docente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) coordena juntamente com Rita Basílio Simões o projeto de investigação MyGender, que começou em 2021 e termina em agosto, debruçando-se sobre como os jovens adultos se envolvem com os imaginários das aplicações móveis.
O inquérito realizado a uma amostra representativa de jovens portugueses demonstra que a maioria associa as redes sociais a experiências positivas, como criação de relações e afirmação de identidades, apesar de também serem referidas experiências negativas, como o assédio, o insulto (recebido e enviado) ou o medo daquilo que os outros acham.
“As redes sociais geram ansiedade, mas ao mesmo tempo são um espaço para falar com os amigos, com os que conhecem e com aqueles que não conhecem. Para desabafar”, aclarou, referindo que as comunidades digitais acabaram por assumir os espaços intermediários entre “a casa e o trabalho ou a casa e a escola e que desapareceram”.
Para a docente da FLUC, é uma forma de estar, de “viver de uma forma brutalmente intensa em que parece que é tudo para ontem”, em que quer o assédio ou o elogio são imediatos.
No mesmo telemóvel onde numa aplicação fica ansioso, encontra outra associada à saúde mental. Também no mesmo dispositivo onde gasta várias horas diárias em diferentes atividades pode encontrar uma aplicação para monitorizar o tempo desperdiçado.
Para além do inquérito, o projeto incluiu entrevistas a jovens, grupos focais, diários e análise das próprias aplicações, para tentar perceber quais os usos por parte deste grupo etário de aplicações móveis.
Nas entrevistas, ficou percetível que os jovens se autocontrolam e monitorizam a sua expressão digital, utilizando ferramentas de privacidade e de segurança, sendo habitual terem “contas diferentes com objetivos diferentes”, contou Inês Amaral.
Já nos grupos focais, a investigadora notou que a internet é o primeiro recurso para qualquer dúvida.
“Seja no Youtube, Tiktok ou outras plataformas. Vão à procura de várias coisas relacionadas com a sua vida, pode ser para cozinhar qualquer coisa, para se maquilharem, para escolher produtos de higiene íntima, para questões de saúde, académicas ou de causas sociais. Tudo está ali”, referiu.
A equipa do projeto contou ainda com 16 jovens que fizeram um diário ao longo de um mês relacionado com a utilização que faziam do telemóvel e das aplicações.
“Percebemos que têm noção plena da mercantilização dos dados por parte das plataformas. Apesar da noção plena da intrusão da tecnologia e de uma certa vigilância contínua, há uma aceitação prevalecente”, contou.
Dos diários, há relatos de uma pessoa que adormecia todos os dias a ver vídeos curtos do Youtube e que, de manhã, a primeira coisa que fazia era ver conteúdo no Tiktok, e uma jovem que “adormecia a fazer ‘scroll’ [numa aplicação]”, afirmava que já sabia o que iria ver no dia seguir, por causa do seu padrão de consumo.
Outro participante relatava que tinha gastado a sua folga no Tiktok.
“Há comportamentos que roçam quase a adição e, nos diários, há quem diga: isto faz mal”, recorda Inês Amaral.
No projeto, a equipa de investigação identificou também movimentos e tendências associados às práticas e usos de aplicações móveis e a interação entre humanos e tecnologia.
O projeto, com base nessa análise e com os dados dos inquéritos, apresenta vários cenários: a possibilidade de um extremar do individualismo associado a uma cultura do bem-estar no digital, um ativismo no digital que se assuma como uma espécie “de contra narrativa” face ao “controlo tecnológico e datificação [transformação de vários aspetos da vida em dados]”, a resistência ao digital que pode levar a lógicas de “isolamento” e “autoexclusão”, e a normalização da invasão da privacidade.
O MyGender afirma-se como o primeiro estudo em Portugal a investigar como os jovens adultos se envolvem com a tecnicidade e os imaginários das aplicações móveis.