Reza a lenda, que em tempos relativamente recentes, havia um pastor da serra da Estrela, que estimava muito o seu rebanho de ovelhas. Viva numa pequena casa em madeira enquanto as ovelhas eram guardadas num curral ao lado pelo seu fiel Tobias, o seu cão da serra, velho companheiro desde há quase 10 anos, e que conservava diversas cicatrizes de lutas contra lobos famintos que deambulavam pela serra.
Muitas vezes o pastor julgava-o perdido para sempre, divido à gravidade das mordidelas e traumatismos, mas regressava sempre para a vida e feliz por continuar a guardar ovelhas porque lhe dava utilidade e estatuto.
Que dias felizes eram aqueles, mas faltava-lhe uma mulher, uma companhia com quem constituísse família. O Tobias de vez em quando, e quando estava um pouco mais excitado, tentava a sua sorte com uma ovelha, mas o pastor mostrava-lhe um cordeiro, certamente o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, e Tobias reprimia o seu desejo de pecar e aviava-se nos fardo de palha, que serviam para alimentar as ovelhas durante os rigorosos meses de inverno.
Foi num desses sábados de inverno que o pastor, como habitualmente desceu do monte à cidade, sem antes tomar uma banho e vestir a sua melhor camisa, para também se consolar no pecado, fazer as compras de bens essenciais, e depois, ir a uma taberna de má fama para beber vinho, conviver um pouco, jogar às cartas, talvez arranjar um amigo e finalmente regressar à sua modesta casinha.
Então e sobre os efeitos da alegria e euforia que o vinho nos dá, que o pastor confessou para os seus parceiros de cartas:
– No meu curral existe uma ovelha muito feia, mas mesmo muito feia que até assusta e mete dó.
Os companheiros das cartas e das batotas riram-se muito, pois todos sabemos que as ovelhas são todas iguais. O pastor não gostava que lhe pensassem que ele era mentiroso e continuou.
– Há duas que são parecidas com o Tobias, mas há uma terceira que é a ovelha mais feia que Deus pôs ao mundo, não há outra igual.
Os companheiros continuavam a gozar com o nosso pastor e então este propôs o seguinte:
– Aposto um garrafão de vinho com cada um de vocês, que o raio da ovelha é muito feia, algo mesmo horrível. A que aqui o taberneiro, é testemunha.
Foi então que o taberneiro anuiu e falou:
– Serei testemunha e júri. Irei também convosco e fecho já de seguida a taberna. Como já faz muito frio, o melhor e cada um de nós levar um garrafão de vinho para a caminhada até lá cima.
Era noite cerrada e iniciaram os cinco, acompanhado cada um deles com um garrafão de vinho, a viagem para testemunharem, ou não, a feiura da ovelha. Não era fácil e a neve começava a cair confundido o caminho. Mas o pastor nem precisava de caminho nem luz para chegar a casa, conhecia os atalhos como a palma da sua mão. Depois de duas horas a caminhar e depois dos garrafões irem vazios, o que aliviou a carga, lá chegaram à casa do pastor.
– Esperem aqui. Vou buscar uma lanterna porque ainda está muito escuro e soltar o Tobias para ele correr que bem precisa.
E foi assim que entraram no curral os cinco. As ovelhas aparentemente pareciam todas iguais com a excepção de duas, mas falta a ovelha feia, e quando tudo levava a crer que o pastor tinha perdido a aposta. Ao fundo estava uma ovelha a tremer de medo. Tendo quatro deles dito e uníssono:
– Porra! A ovelha é mesmo feia, nunca vi coisa igual!
O pastor manteve-se calmo mas depois disse:
– Eu bem vos avisei.
Foi então que ovelha olhou para o grupo de homens bêbedo e exclama:
– Mééééééé…
Espero que tenham gostado desta história cheia de lições de moral:
1) Se a ovelha em vez de dar um balido dissesse “não me chateiem, cambada de bêbedos” seria uma fábula.
2) Nem toda a lã virgem vem de ovelhas que correm mais dos que os pastores. Talvez a maioria dos pastores sejam pessoas de bem.
3) O facto de alguém ser feio, não é motivo para se deixar de ser feliz. O melhor e fingir que não se entende. A beleza ou a feiura são uma característica da pessoa e subjectiva.
4) Todos, sejamos ovelhas ou não, somos diferentes uns dos outros.
5) O pastor merecia maior credibilidade e os fanfarrões perderam quatro garrafões de vinho por não confiarem.
6) Nunca um taberneiro devia ser júri de uma aposta que mete vinho, pois julga em benefício próprio.
7) O Tobias é um cão muito fiel.
Esta é uma história muito bonita.
Pedro Guimarães