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Eu sou #metoo

Escrevi tantas vezes sobre a liberdade da mulher ou pelo menos tentei. Quis muito falar da liberdade sexual, que ainda não existe, e fui-me esquecendo do tema de topo, número um, do qual eu já deveria ter escrito. Nem sei bem se me esqueci ou se foi o meu ser que se recusou a falar disso. Ou se não o podia expressar ainda na escrita.

Mas eu, eu sou assim, preciso do meu tempo, do meu momento certo para vir aqui exprimir no papel e partilhar, ou não, o que escrevo. No meio das minhas insónias incontroláveis e intermináveis, que têm uma razão de existir, as palavras aparecem a voar na minha mente. Tudo à minha volta ativa a minha escrita, um pensamento, uma conversa, um artigo, as pessoas com quem me cruzo e com quem nem sequer falo, ou mesmo a minha filha de 11 anos (quase 12).

Hoje, a meio de uma leitura noturna, li um artigo muito bom da Luísa Semedo, publicado no BOMDIA, que me fez refletir muito e reparar que nunca escrevi sobre a violência doméstica. Meditei depois de ler o artigo e nesse momento soube que me iria sentar e escrever mais um texto.

Sim, eu sei o que é a violência doméstica. 

Acho tão triste viver nela e nem se saber. Onde anda a educação das nossas crianças? Meninas e meninos? Somos tão moralistas, tão justos, opinamos sobre tudo, sobre tudo julgamos, mas não somos capazes de ver que vivemos num ambiente malsão e ficamos ali anos a morrer interiormente sem mexer um dedo por nós? Porquê ? Qual a verdadeira causa que nos faz a nós todas, nós mulheres, aceitar a merda que nos cai em cima, as palavras que nos destroem, a porrada no corpo? 

Afinal quem somos para aceitar tanto? Porque nos deixamos humilhar? Não é uma questão de meio social que nos ensina e nos dá acesso a mais conhecimento (é essa a ideia errada que temos… ). Existirá algo em nós de fundamentalmente diferente física ou psicologicamente? Não vou pesquisar sobre isso. A minha opinião é que as gerações passadas foram construindo muros, talvez bunkers suíços, que impedem a mulher de se revoltar face à agressão física ou verbal, que fazem com que o seu corpo não reaja, fique paralisado, a mente fique confusa, como num beco sem saída, repetindo para si, sempre a mesma frase: “Eu amo este homem!”

Não sei como conseguiram fazer-nos uma lavagem cerebral tão grande como esta de amar quem nos faz mal! Se alguém nos agride na rua ou noutro lugar, física ou verbalmente, o nosso instinto é a defesa, é detestar o nosso agressor. Então por que razão isso não acontece quando estamos numa relação? Somos seres limitados como nos querem fazer crer os homens? Penso que a nossa capacidade de aceitar e de não reagir deve-se a muitas gerações que nos educaram assim, e mesmo depois das revoluções antifascistas e sexuais nada fizeram para mudar porque o núcleo familiar continua a educar as gerações seguintes da mesma forma como as anteriores. Nem os filhos nos fazem mover? Queremos viver na violência doméstica mesmo com eles a assistir? Que exemplo damos?

É muito fácil falar sobre a violência dos outros e não vermos que estamos a viver nela todos os dias e que pouco a pouco nos destrói interiormente. Estamos cegas? Temos conhecimento de casos de violência doméstica da vizinha, da amiga, da irmã, da colega de trabalho, mas não admitimos estar a viver a mesma situação.

No início, a violência doméstica pode manifestar-se simplesmente por palavras como, por exemplo, “És uma estúpida!”, mas que não fomos habituadas a detetar como sendo violência doméstica. E assim, não reagimos ou quase nada. Mulher, no dia em que aceitares esta pequena frase de quem amas, tenta refletir por que razão a tua relação se deteriora sem tu veres. Não serás espectadora, serás vítima, bloqueada num corpo sem reação. 

Quantas vezes ouvimos este insulto por parte de um homem ou uma frase  semelhante até mesmo na rua? Mas, nós mulheres, não temos o reflexo do alerta necessário para dizer “stop!” imediatamente. Nem nunca nos ensinaram a alimentar uma comunicação saudável na relação. A sociedade ensina-nos a ser robôs sem cérebro e não nos ensina a desenvolver a inteligência emocional, não nos ensina que devemos cuidar um do outro e aprender a saber falar com o outro, mesmo com feridas clandestinas ainda por resolver.

Estar numa relação supõe sermos felizes connosco primeiro para podermos ser felizes com o outro depois. Eu sei, isso é na teoria. Na prática, entramos todos nas relações com os nossos farrapos interiores e os nossos traumas psicológicos. 

Será que atacamos o outro para nos sentirmos superiores e bem? Será uma droga malsã? Será que fazer mal aos outros nos dá o poder que nunca pensámos alcançar?

Tenho uma notícia para vos dar: nenhum ser humano é perfeito, mas se o desejar pode ser perfeito na sua imperfeição e nos seus defeitos. Sabem como? Impedindo que as nossas imperfeições não existam para magoarmos quem dizemos amar e que tornamos vítima das nossas incertezas e mau estar.

De desculpas mal dadas e não sinceras está o mundo cheio. 

Eu digo não à violência doméstica, verbal e física. 

Eu digo sim a ensinar a geração atual de meninos a ser responsável pelas suas palavras e atos, e a curar-se das suas feridas interiores para deixarem de dar murros no coração e na pele de cada menina, de cada futura mulher. 

Eu digo sim a ensinar cada menina a não aceitar palavras e murros e a reagir de imediato. 

Eu digo sim a aulas práticas para meninos e meninas, em que os coloquem em situações reais do quotidiano e lhes ensinem o que está errado. 

Eu sou #metoo.

BV090622

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