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Éder: a história do menino que cresceu num lar de Coimbra

A vida nunca foi fácil para Éder, mas o menino magro e alto que se destacava nos juvenis do Adémia, em Coimbra, nunca deixou que as dificuldades o afetassem. No lar, tornou-se num exemplo. No clube, uma “pérola”.

As palavras surgem em soluços, numa voz embargada e acompanhadas de lágrimas, quando Anabela Santos, de 52 anos, tem de falar de Éder, o seu menino. “Ele é único. É o nosso orgulho”, sintetiza a funcionária do Lar O Girassol, em Coimbra, onde o avançado luso entrou em 1998 e saiu em 2007, com 20 anos.

Na instituição que o criou, toda a gente fala de um rapaz muito humilde, bem comportado, de sorriso na cara, pacato e, claro, sempre “com a bola nos pés”, correndo com ela pelo pátio, onde muitos vidros já foram partidos à custa do futebol.

No domingo, ao minuto 109, funcionárias e jovens do lar viveram o golo com uma alegria especial. A esperançazinha de Anabela Santos confirmou-se e viu o seu menino marcar um golo. “Saltei, pulei, chorei. Foi uma alegria muito grande”, diz à agência Lusa.

A reação foi a mesma para Maria Letra, há 18 anos na instituição, sublinhando que o golo mostrou aos comentadores que o “Éder é um grande cisne”.

“Com a alegria dele, tentava sempre puxar-nos para cima. É o nosso menino de ouro”, explica Ana Gomes, também funcionária no lar de acolhimento para jovens.

Apesar de Éder ser um futebolista profissional, nunca se esqueceu do lar por onde passou, nos arredores de Coimbra, em Alcarraques, sublinha a psicóloga da instituição, Filipa Nobre.

Lá dentro, é uma referência para os miúdos, havendo “muitos que lhe telefonam para pedir ajuda em tomadas de decisão. É um bom exemplo, pela luta que ele teve e pela volta que ele deu à vida”.

“Sonhar deve ser assim: sem limite. É isso que queremos transmitir”, notou.

Perto de Alcarraques, situa-se o campo do Adémia, clube onde Éder se iniciou, na altura em pelado.

Diogo Santos foi o capitão de equipa de infantis e juvenis durante a passagem do avançado internacional português pelo pequeno clube de Coimbra.

“Dava nas vistas. Tinha mais massa muscular, era mais rápido, mais forte e mais alto e depois tinha uma capacidade técnica assinalável. Não é o tosco que querem fazer dele”, sublinha, recordando que, ao contrário da maioria dos jogadores da seleção, o Éder cresceu num pequeno clube, habituado ao pelado, e entrou em contacto com um alto nível de formação muito tarde.

Aquilo que lhe faltava em formação, superou com “vontade, desejo e garra, que são coisas que não se ensinam e que não se treinam”, enfatiza.

Para Diogo Santos e restantes colegas de equipa no Adémia, a resiliência era a qualidade que mais sobressaía na “pérola” do clube, que fazia questão de vestir por debaixo da camisola do Adémia a t-shirt do Manchester United, o seu clube de sonho.

Os golos eram tantos, que os colegas até lhe arranjavam “cantigas”, apelidando-o de “pérola negra” do Adémia, relembra o treinador de juvenis do Éder, José António.

Para além das cantigas, recebia costeletas. Por cada golo, Manuel Seco, sócio n.º 8 do Adémia e proprietário do talho Falcão, oferecia uma costeleta a Éder. No final do primeiro ano, estava a dever 36 ao avançado natural da Guiné-Bissau.

A situação acabou por se resolver com uma patuscada no clube, com o ponta-de-lança a decidir que queria comer as costeletas com “os colegas” que o ajudaram a marcar os golos. No ano seguinte, já trocava os golos por “500 paus”, recorda um dos fundadores do clube.

O dono do talho, que era capaz de dar um cabrito a Fernando Santos para pôr o Éder a jogar, sente-se hoje “realizado”. “Sair de uma ‘terrazita’ que não vale nada e ser um trunfo daqueles é obra”.

“Quando era novo, mesmo quando havia comentários racistas e xenófobos nos jogos de futebol, ele mantinha sempre a mesma postura. Creio até que isso lhe dava mais força. Agora, que toda a gente punha em causa a sua qualidade, deu uma bofetada de luva branca”, diz à Lusa Tiago Nogueira, antigo colega de equipa.

No domingo, conta, todos os colegas estavam de “lágrimas nos olhos”.

O antigo capitão Diogo Santos, ao ver a bola a entrar na baliza, atirou-se para o chão de um café no Porto. Ficou “cinco ou dez minutos” assim, num estado “quase catatónico”.

Aquele golo, aos 109 minutos, é também “um bocadinho” de Diogo Santos, assim como dos restantes colegas do Adémia. “Há um orgulho desmesurado. É o cumprir de um sonho daqueles miúdos todos”, que jogavam à bola, num simples pelado, com chuteiras de dez euros, nos arredores de Coimbra.

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