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Crónicas de Lisboa: bilhetes postais com cores outonais

i) As estações do ano já não são como dantes, diz o povo. De facto, os mais velhos, lembram-se que o clima de cada estação era mais constante e regular com aquilo que cada uma das estações representava. A Primavera florescia e trazia a luz e a alegria da natureza que a sua antecedente estação, a do Inverno, nos tinha “roubado” obrigando-nos a uma forma de vida mais taciturna e escura. Depois o Verão vinha desabrochar e trazer o calor às vidas humanas e da natureza. E por fim, o Outono com as suas cores dos diversos tons de amarelo e castanho marcava a colheita dos frutos, cereais, vinho, etc, que a natureza e a mão do homem fizeram desabrochar e crescer. Arcas e os celeiros cheios para a “estação das trevas”, o inverno. Era assim, idilicamente, como nós vivíamos as quatro estações do ano. Mas o romantismo não mata a fome e muito menos contribui para o bem-estar duma sociedade, e, assim, o Homem continuou a sua luta pelo desenvolvimento em todas as áreas da sociedade, pelo que as alterações no “modus Vivendi” das sociedades desenvolvidas quase que converteram estes tempos numa única estação do ano. A descoberta da eletricidade e tudo aquilo que ela veio permitir nesse desenvolvimento, mas a eletrificação foi lenta e, ainda hoje, há milhões de pessoas que não tem acesso a ela. Por exemplo, as atividades eram feitas de acordo com a luz natural e o clima de cada estação. Agora, trabalha-se durante as vinte e quatros horas do dia, sete dias por semana, etc e as estufas e as trocas de produtos sazonais dentre países dos dois hemisférios da Terra, permitem acedermos aquilo que antes eram apenas obtidos numa estação do ano.

Andando por aí, vamos captando imagens, e, algumas delas, já foram fotografadas muitas vezes, para tristeza de quem as capta ou lhe sofre as consequências. Eu tinha prometido que continuaria com este tema iniciado e continuado nas duas crónicas anteriores. Assim, aqui vão mais três bilhetes postais, um deles com as cores do Outono, mas os outros dois carregados das cores mais próxima da escuridão do Inverno, tão triste eles são e reveladores de muitos problemas atrofiantes da nossa sociedade.

ii) Ruínas – Percorrendo as nossas povoações, desde o mais simples povoado até à grande cidade, e não nos distraindo, poderemos fotografar milhares e milhares de ruínas de pequenas casas, de prédios de variada volumetria, de edifícios apalaçados, de monumentos de vários tipos, de complexos militares desativados e , na mesma situação, de complexos industriais, etc. É inegável que muita coisa mudou nestas últimas décadas, por exemplo redução brutal das instalações militares, a globalização que veio revolucionar o tecido industrial e comercial, a necessidades de casas de habitação mais funcionais do que as antigas, estas inseridas nas zonas históricas das urbes com ruas estreitas e sem infraestruturas básicas, etc, etc. Na cidade do Porto, por exemplo e num triangulo de pouco mais dum quilometro de cada lado, existem três unidades militares descativadas e em ruínas à espera de quê? Que a burocracia e a accão despoletem este tipo de “bloqueios”. Foi numa delas que eu cumpri parte do meu serviço militar obrigatório (ali dois anos e meio) no “pico da guerra colonial. Agora, por questões familiares, desloco-me à “cidade Invicta” e ali passo alguns períodos, cuja casa, por acaso, é muito perto daquela que foi a “minha casa militar” e quase obrigatoriamente, acabo por passar nas ruas destas unidades localizadas em plena cidade. Sinto nostalgia daqueles tempos, terríveis para os jovens do meu tempo e suas famílias, mas sinto também uma certa “raiva” pelo poder do “monstro” chamado burocracia e das suas aliadas a inércia e a inépcia. Este caos urbanístico, com dormitórios nos arredores e habitações tipo gaiolas, teve origem num erro histórico de decisão política de congelamento das rendas de habitação. As consequências dessa política, gerou um “boom” na construção para venda de habitação própria, com ganhos para muita gente, empresas, autarquias, etc, à custa dos “proprietários” – só no papel, porque os “donos” são outros (Bancos, etc). Contudo, o abandono de casas nos centros históricos, que não servem o modo de vida presente, mesmo das classes menos favorecidas, deixa uma imagem vergonhosa. Buracos onde havia habitação, edifícios emparedados com tijolos e a cair, ameaçando a segurança dos cidadãos, revela um desleixo, inércia ou burocracias. O turismo veio dar um impulso significativo na recuperação de edifícios degradados e na revitalização de muitas zonas mortas e até perigosas das nossas cidades. Contudo e antes desta pandemia que afetou brutalmente o sector turístico, a muita gente só lhes faltou pegar em varapaus e correr os turistas dali para fora. A mim, como cidadão do meu país, sinto desconforto, para não dizer revolta, por este estado de ruínas descritas atrás. As diversas autoridades, dos tribunais em casos de falências de empresas, do governo central e local, “assobiam para o lado” e não querem encontrar uma saída para este estado do nosso património. Lembremos-mos de que uma cidade, uma vila ou outro tipo de povoado é também do cidadão (cidade vs cidadão) e não apenas dos proprietários dos imoveis.

iii) Lixo e mais lixo – Não quero arvorar-me em “velho do Restelo”, mas em muitas zonas das cidades há cada vez mais lixo, buracos e muito desleixo das coisas publicas e privadas. Não bastam campanhas “edílicas” mesmo junto dos mais novos, para inverter estes comportamentos, porque muitos deles são ”feios , porcos e maus” (o filme italiano de 1976 de Ettore Scola, uma espantosa sátira em tom trágico-burlesco sobre uma miserável família italiana que vivia num bairro de lata em Roma, numa barraca miserável rodeados pelo lixo dos outros que vivem nos arranha-céus que os cercam) , filme que me ficou na retina. Lembro-me dele, sempre que vejo lixo por todos os lados (nas ruas, nos parques e jardins, nas praias, etc,) argumentando estes “…maus” de que assim estão a dar trabalho aos empregados das limpezas urbanas! Às vezes, está um recipiente de lixo a centímetros daqueles “…maus”. Não há campanha que lhes abra a mente e, deste modo, o lixo está por todo o lado. Depois, as autarquias não têm mãos a medir para acudir a tanto lixo e muito dele irá parar ao mar com as enxurradas das próximas chuvas. A Terra “agoniza” com os males que lhe fazemos e o futuro nem as cores do Outono terá!

Tentei, nesta crónica, que as cores dos bilhetes postais não fossem a preto e branco, mas não consegui. Ainda há mais na “caixa do correio”, pelo que fica para a próxima “mala postal”

Serafim Marques

 

 

 

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