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‘Can I go to the bank?’

Com esta graçola inenarrável proferida pelo nosso Primeiro-Ministro, que me arrasou de vergonha enquanto cidadão português, e um sorriso seráfico dirigido a Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, encerrou a cerimónia pública em que se celebrou a aprovação dos fundos europeus para financiar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português, o primeiro a ser aprovado.

Ainda falta uma aprovação/ ratificação mais, mas deverá ser relativamente fácil ultrapassar o obstáculo final, e chegar ao “pote de mel”, o tal que disparará uma “bazuca” de fundos comunitários a fundo perdido para Portugal poder “torrar”. Repetindo-se assim, uma vez mais, com a cadência das ondas do mar, a eterna e triste história que nos atormenta desde pelo menos meados do século XV.

Veja-se o que Teolinda Gersão diz no seu interessante livro A Cidade de Ulisses sobre esta época histórica, há mais de 500 anos:  “Nessa altura acreditou-se que chegariam nos barcos tesouros sem fim, escravos, ouros, especiarias, tecidos, e Lisboa floresceu, encheu-se de ostentação e luxo, tornou-se cosmopolita… Mas a péssima gestão e os gastos excessivos levaram o pais à beira do colapso. D. João II e D. Manuel I, em reinados sem guerras e de abundância extrema, deixaram dívidas.”

Como sabemos, a partir daí andamos sempre de mão estendida, com o credo na boca, porque momentos houve na História de Portugal (depois do 25 de Abril, e em plena democracia, foram “só” 3 aqueles em que estivemos falidos) em que já não tínhamos dinheiro para pagar salários à função pública e as pensões de reforma, a pedinchar externamente ajudas e empréstimos para empurrar com a barriga a nossa miséria franciscana por mais uns tempos.

A graçola sem gosto de António Costa e o sorriso (de alívio profundo) dizem tudo sobre o estado calamitoso, em termos de finanças públicas, a que este nosso querido e amado Portugal, por irresponsabilidade e falta de visão da nossa classe política, uma vez mais chegou.

Num ambiente como estes, em que precisávamos desesperadamente de um Presidente lúcido, com bom senso, interveniente (dentro dos poderes constitucionais que lhe são conferidos) e sem medo, Marcelo Rebelo de Sousa apresenta já preocupantes sinais de que a máscara que antes ostentava, de Presidente afável, acessível, dialogante mas firme nas questões fundamentais para o país, caiu neste segundo e último mandato.

Os sinais sucedem-se, e estão a levar a que indefectíveis apoiantes, nos quais eu me incluo, andem cada vez mais preocupados e decepcionados. No meu caso pessoal são já três os “casos” que abalaram profundamente o meu apoio passado à ação política do nosso Presidente (Selfies incluídas).

Por um lado, a desaustinada troca de “galhardetes” com incríveis tiques autoritários com António Costa, quando ambos estavam a representar o país no estrangeiro. Acho que em quase 900 anos de História de Portugal nunca tal se tinha visto, foi um momento em que eu como português me envergonhei (momentaneamente e pontualmente) de o ser. A arrogância, falta de bom senso e de vergonha, e o autoritarismo dessa troca de palavras ficarão para a História.

Depois, num irrefletido (mais um) momento em que quis mostrar-se popular com o pior que o nosso país tem, afirmou, em total contradição com declarações anteriores, e ainda no estrangeiro também, a uma pergunta de um jornalista, que nos devíamos era “focar no futebol”, quando o nosso país está a arder, esmagado por problemas gravíssimos que, uma vez mais, condicionam e determinam o nosso futuro.

E por último, o facto de o Presidente, antes acessível, disponível, que “ia a todas”, nem sequer se ter dignado a dar uma resposta a um convite importantíssimo que lhe foi dirigido pela Executiva.pt para presidir (ou apadrinhar) a cerimónia pública que distinguiu as 25 mulheres mais influentes de Portugal, celebrada a 25 de Maio deste ano, a poucos passos do Palácio de Belém, uma causa que antes das eleições presidenciais que o reelegeram Marcelo Rebelo de Sousa não teria deixado de entusiasticamente apoiar. Foram várias as tentativas formais de contacto com a Presidência, todas elas sem resposta. Entende-se que a agenda esteja preenchida, que o nosso Presidente não tem o dom da ubiquidade, e portanto não pode ir a todas. Não se entende nem se perdoa, de maneira nenhuma, que não se digne sequer responder ao convite. Para isso tem uma horda de assistentes.

O nosso povo, desde que tem a possibilidade de votar (e portanto de determinar o seu futuro) tem estado de forma crescente alheado dos processos eleitorais. As nossas taxas de abstenção nos atos eleitorais, que eram baixas logo após o 25 de Abril de 1974, já rondam os 50 %, o que indica que as pessoas estão cansadas de ir votar, e de não ver nada a acontecer que lhes melhore a vida, lhes dê esperança de um futuro melhor.

Muitos portugueses continuam hoje, como há 500 anos (a população do país desceu então 10 %, de 1.000.000 de pessoas para 900.000, segundo o que se lê no livro da Teolinda Gersão mencionado anteriormente), a ter de sair do país para ter uma vida decente. Antes eram só os trabalhadores indiferenciados que eram empurrados, pela miséria, para a emigração. Hoje além dos trabalhadores da construção civil, exportamos licenciados também (engenheiros, informáticos, enfermeiros). Neste século XXI, 500 anos depois dos Descobrimentos, saíram de Portugal pelo menos 1.000.000 de portugueses (novamente 10% da população), se não mesmo mais, em busca de uma vida melhor.

Triste sina a nossa.

José António de Sousa

 

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