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Cabo Verde quer ser independente de apoio externo

O Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, afirmou nas Nações Unidas que o país tem a ambição de integrar o grupo dos Pequenos Estados Insulares Desenvolvidos e “libertar-se” da necessidade de apoio externo.

“Como os demais Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento [SIDS, na sigla em inglês], Cabo Verde tem a ambição de se tornar num Pequeno Estado Insular Desenvolvido. Para que isso aconteça, terá que, progressivamente, superar as suas vulnerabilidades e aumentar as suas resiliências”, afirmou o chefe de Estado, esta tarde, ao intervir na 77.ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque.

Para tal, defendeu, é “imperativo poder contar com a solidariedade externa em matéria de financiamento e endividamento sustentáveis”, mas “sempre num processo e numa lógica de diminuição paulatina da necessidade de apoio externo”: “Não sendo nova esta narrativa é, porém, urgente, que possa ser implementada, pois que a menos de oito anos da meta da Agenda 2030, todos os ponteiros mostram que os indicadores não estão no ritmo desejável para a realização, nessa data, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS]”.

Os SIDS são um grupo distinto de 38 Estados-membros da ONU – no Caribe, Pacífico e Atlântico, Oceano Índico e Mar da China Meridional -, totalizando cerca de 65 milhões de habitantes e reconhecido desde 1992 por aquela organização por enfrentarem vulnerabilidades sociais, económicas e ambientais únicas.

José Maria Neves recordou que os SIDS “enfrentam limitações estruturais como o afastamento e isolamento geográficos, a pequena dimensão económica, a dependência de importações e custos elevados, por um lado, e de exportações de serviços concentrados setorialmente, por outro”, estando “mais vulneráveis aos impactos de choques externos, climáticos, económicos, ou de outra natureza, como pandemias e conflitos geopolíticos”.

O Presidente da República, que foi também primeiro-ministro de 2001 a 2016, apontou o exemplo de Cabo Verde nos últimos 15 anos, que “sofreu o impacto económico e social de múltiplas crises”, da seca prolongada às consequências económicas da pandemia de covid-19.

Ao intervir pela primeira vez como Presidente na Assembleia Geral da ONU, também reconheceu que a menos de dois anos da realização da Quarta Conferência dos SIDS, “é de todo legítimo e expectável, que esta possa tomar uma decisão transformadora sobre os melhores indicadores de avaliação e sobre as modalidades de políticas que melhor apoiarão” estes países “a cumprir as metas do Samoa Pathway”. 

Cabo Verde já apresentou a sua candidatura para acolher a reunião preparatória da região SIDS dos Oceanos Atlântico e Indico e do Sul do mar da China, a que pertence, em 2023.

Num “contexto de emergência”, José Maria Neves saudou a recomendação do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, e a decisão do presidente da Assembleia Geral, em instituir um painel de peritos de Alto Nível para conduzir os trabalhos, incluindo a finalização e uso de um Índice Multidimensional de Vulnerabilidade (MVI).

“Auguramos uma conclusão satisfatória dos trabalhos desse painel e sobretudo, que a Assembleia Geral possa adotar a sua proposta de MVI, e que este seja aceite e utilizado de forma consensual tanto dentro como fora das Nações Unidas. Afinal, nós, os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, queremos também libertar-nos da dependência do apoio externo, que passará, necessariamente, pela redução das nossas vulnerabilidades, ao mesmo tempo que estamos conscientes do dever de fazer o nosso trabalho de casa, de ser competitivos e resilientes e de conseguir um crescimento inclusivo e ambientalmente sustentável”, sublinhou.

Na mesma intervenção, José Maria Neves recordou que desde 2015 que o património cultural e natural, material e imaterial de África “tem sido celebrado em todo o mundo para conscientizar e sensibilizar sobre a importância da sua preservação”, mas que “continuam a existir preocupações quanto às urgências e às medidas a serem tomadas”: “Enquanto Presidente da República, proponho-me, contando com os meus pares africanos, investir na Preservação do Património Natural e Cultural de toda a África e refletir sobre como promover a justiça climática e a equidade em África e para África”.

“Não posso deixar de referir-me ao movimento mundial de candidatura da crioulização e das culturas crioulas a Património Mundial, pelo qual aceitei ser padrinho e porta-voz, não fosse Cabo Verde, a primeira sociedade crioula do mundo. Esta é uma iniciativa liderada pela sociedade civil, que pretende que os países crioulos possam se posicionar, a uma só voz, sobre o seu património imaterial, promovendo a paz, a amizade entre os povos e a cooperação para o desenvolvimento, com base nos valores que a crioulização trouxe para a civilização: um novo ethos [modo de ser] assente na tolerância, na diversidade e na fusão de culturas”, disse ainda, pedindo o “forte apoio e engajamento político de personalidades de países crioulos e dos respetivos chefes de Estado”.

Reconheceu que a adoção da Agenda 2030 e dos seus ODS “foi um momento alto do Multilateralismo, sendo que a sua implementação e realização progressivas deveriam continuar a beneficiar do impulso de um Multilateralismo cada vez mais renovado, revigorado e ancorado no Sistema das Nações Unidas”, mas que “não tem acontecido ao nível desejado nas várias frentes”. “Permanecem desafios globais, ao mesmo tempo que têm surgido crises que se têm constituído em autênticos obstáculos ao progresso, pondo em perigo o almejado revigoramento do Multilateralismo, adaptado e preparado para lidar com a dimensão e complexidade dos novos desafios”, acrescentou.

Pediu “um Multilateralismo efetivo, inclusivo, preventivo, dissuasivo e cooperativo”, com “menos confrontação entre blocos” e “mais cooperação entre os Estados-membros na construção e na entrega de bens públicos globais para todos, quais sejam, a Paz e Segurança, os Direitos Humanos e o Desenvolvimento Sustentável”.

“Enfim, um Multilateralismo útil, proporcionador de um contexto internacional apaziguado, que abra as portas, para países como Cabo Verde, a mais financiamento externo e a mais e melhor integração nas cadeias de valores regionais e mundiais”.

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