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“Aleatório” de Rita Pais

Título: “Aleatório”

Autora: Rita Pais

Editora. Húmus,

Coleção: 12catorze

«As palavras dormem. Aconchego-lhes os lençóis com desvelos de uma filha que as ama. Concedo-lhes o repouso que me têm vindo a pedir. São mãe compreensiva, cúmplice, confidente, e eu não as tenho poupado.”

 

Escrever sobre a escrita da autora Rita Pais é um grande desafio. Rita Pais, coordenadora literária ao serviço de várias editoras e trabalhando com os maiores escritores da literatura contemporânea portuguesa, sempre lidou com as palavras, fez delas seu modo de vida, a sua paixão, o seu caminho. Amou-as incondicionalmente como se pode amar uma mãe, uma filha, um ser que nos pertence numa ligação transcendental.

E este pequeno livro composto de 24 textos é, sem dúvida alguma, uma declaração de amor às palavras, ao propósito que elas tiveram na sua vida, ao seu significado e significante, na contextualização desse sentimento interior.  Há uma voz que ressoa, um sujeito poético íntimo, grandioso, a palavra, metamorfose do Ser, presença viva, por vezes ausência, mas sobretudo, promessa e matriz de vida.

Promessa de diálogos, de espaços de silêncio e quietude, de compromissos, de aperfeiçoamento do Ser, matéria viva nas encruzilhadas do quotidiano.

Nos textos poéticos que compõem este livro, os vocábulos noite, tempestade, violência, tormento, agonia revela-nos a semântica do efémero, da dor, do desassossego da vida. A semiose da impermanência e da inquietação do Ser, do Eu que se debate com as forças negativas da natureza, com a inevitável finitude do corpo. Com as tempestades da existência. Contudo, as palavras na sua semântica de maternidade, são também aconchego, esperança, apaziguamento, luz.

“Aconcheguei-me à pele dos sons e esperei que essa vibração estranha que emitem sossegassem na minha. Era um momento sem raiz nem chão. Feito de uma sensação libertária, como voo sem poiso libertário. “

É nesta alusão à fonologia dos vocábulos, a essa ligação intima entre o som e a palavra entre a vibração e a compreensão, a interiorização dos sentidos da palavra pelos sentidos do corpo que tudo se ilumina, se transfigura, se liberta. Não sem antes ter havido uma procura intensa, uma busca sem limites.

“Nada te define. Nada te traduz. Nada qualifica a tua essência. Substantiva é a minha essência de ti, adjetivada pelo vazio da tua ausência, verbalizada no tumulto da espera dessa frase que só fará sentido no dia em que o meu corpo estiver exclamativamente pleno de ti.”

Há uma longa travessia feita na senda das palavras para chegar a este sentimento de unicidade e completude. Há um diálogo permanente, entre a luz e as sombras, entre o que está por detrás do espelho, nas cavernas da existência e o Ser que se manifesta à luz do conhecimento, da íntima ligação entre o significante e o conceito.  É no exercício da escrita que o Eu poético destes textos se revela.  É nas metáforas alusivas às confidências, à aproximação da linguagem do mar e da natureza que a mulher se desnuda ao mesmo tempo que se liberta numa catarse de emoções.

Muito mais haveria para dizer destes 24 textos onde Rita Pais se revela no amor às palavras e ao poder transformador que elas, as palavras, têm na nossa/sua vida.

Concluo este trabalho com um pequeno texto que está neste livro com o título “Mater”, porque este texto sublinha tudo o que acabei de argumentar.

“Desliza-me sob a pele a sede antiga dos rios de mater perdida, seca, estéril. Desliza-me sobre a pele a sede jovem, translúcida, dos rios da mater anunciada, fecunda, fértil. E no sob e no sobre a pele, vestais ensaiam os cânticos que correm para a foz onde os rios repousam, saciados”.

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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