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A melhor profissão do mundo?

© DR

Há uns anos, o primeiro colega professor de filosofia no liceu que me explicou o bê-á-bá do “métier” começou por fazer uma lista exaustiva de todas as coisas negativas. No fim, ao ver a minha cara de desespero, a expressão de quem até então só conhecia a tranquilidade dos estudantes universitários, sorriu e disse, “mas é a melhor profissão do mundo”. Não estava a ser irónico.

Muito rapidamente, pude compreender por mim própria o que queria dizer. Não posso dizer que seja mais recompensador do que uma médica que acabou de salvar uma criança e vê o alívio e a alegria nos olhos dos familiares, mas…

As nossas vitórias são muitas vezes quase impercetíveis, é um sorriso, é um “nunca tinha pensado nisso”, é um “je vous aime, madame”, um “vive la philosophie” escrito na parede em frente da sala de aula… Outras são bastante mais expressivas, que por pudor 😁 não partilho aqui, mas que nos fazem acreditar que tudo vale a pena. Quando era miúda queria ter vinte filhos. Estou completamente de acordo, como é óbvio, que não existe qualquer obrigatoriedade em ser mãe, mas no meu caso sempre quis e adoro absolutamente ser mãe. A realidade mostrou-me que não, vinte filhos não seria possível, mas já vou em centenas de crias emprestadas.

A primeira e talvez a mais importante das qualidades para se ser professora, e que não se aprende em formações, é saber amar os alunos, amar cada um, amar a sua individualidade, dar-lhes liberdade, confiança, respeito.

As condições de trabalho dos professores são péssimas, há quem tenha piores como é óbvio, mas que isso não seja razão para não lutar por direitos, por dignidade, por melhores condições de exercício da profissão.

Esta deveria ser, sem dúvida, uma luta comum de toda a sociedade. A escola é uma das maiores, senão a principal, fazedora de democracias, de aprendizagem de vida em conjunto, de pensamento próprio, de debate de ideias, de espírito crítico. Apesar de todas as falhas e possíveis tendências conformistas.

Pergunto: como será quando já ninguém quiser ser professor?

Em França, vive-se uma penúria grave de professores, nomeadamente na primária. Momento tão importante na vida das crianças, enquanto indivíduos únicos e coletivos. Muitas vezes as crianças/jovens passam mais tempo na escola do que com a família.

Defender os professores é defender os alunos, mas é necessário haver uma maior reflexão sobre este tempo. As crianças/jovens devem estar no centro desta reflexão. Deixa-me perplexa como obrigamos as crianças a suportar o que muitos adultos não suportam nos seus locais de trabalho. O frio, o mobiliário desconfortável, a má comida nos refeitórios. Acresce a falta de enfermeira.o.s, assistentes sociais, psicóloga.o.s, turmas sobrecarregadas, alunos confrontados com atividades que não podem fazer, e que os colocam permanentemente em situação de fracasso e com uma péssima autoestima que poderá perdurar durante toda a vida. Alunos com necessidades especiais que não são atendidas, e ainda a violência, o assédio/bullying, todo o tipo de discriminações, ainda esta semana um miúdo de 13 anos suicidou-se em França porque era vítima de assédio por ser gay. E ainda a obsessão com a meritocracia, a competição, o individualismo. Existem também poucos espaços para que a família possa fazer parte da escola.

Não se trata de ter uma ideia idealizada dos professores, eu própria confesso passar o menos tempo possível na sala dos professores, porque existe uma minoria claramente estúpida (peço desculpa pela palavra, mas não encontro melhor). Uma minoria extremamente audível, que não tem qualquer qualidade para ali estar, qualquer vocação, que vive o ensino como o lugar para exercer o seu pequeno poder, os pequenos chefes, agarrados à notas/punições, que se pensam como o centro do mundo, que se esquecem que já foram jovens, e que dar aulas não é dar um espetáculo para nos fim ser forçosamente aplaudido, senão leva-se a mal. Que tomam contra si qualquer tipo de indisciplina, de desatenção, de alegrias, ânimos, agitações. Criaturas arrogantes que pensam que não se aprende nada com os jovens, e caraças aprende-se tanto. Esquecem o que significa ser adulto. “Ai, não sou assistente social, não sou enfermeiro, não sou a mãe deles.” És sim, o tempo todo, como poderia ser diferente? É um ser humano nas nossas mãos. Não somos robots, computadores, IA, uns ChatCPT que vomitam informações desencarnadas. Existem barreiras, claro, não podemos fazer tudo. Quantas vezes me apetece abraçá-los e não posso, só desde o início deste ano dois perderam as mães, outra que é de origem ucraniana e teme pela família, outra que nunca fala na aula por timidez extrema, outra que desmaia por ansiedade, fobia escolar, etc., etc., os casos são tantos… em que não, não somos só professores.

Tenho a sorte de ensinar Filosofia, matéria que permite os alunos até com “más notas” nas outras disciplinas, ou com “problemas de comportamento” de brilhar pela sua criatividade, pela capacidade em exprimir e assumir as suas ideias, qualidades reprimidas em outras áreas da escola. É também uma disciplina exigente, difícil, sobretudo em França que só é dada no 12° ano, tenho ainda caminho a percorrer para conseguir adaptar a dificuldade ao nível dos alunos sem perder em profundidade nas questões, espero conseguir um dia, se continuar nesta via. Ensino-os que a Filosofia é humildade e confiança, mas é válido em tantos outros domínios da vida, saber dizer “não sei”, ter curiosidade de saber mais e ao mesmo tempo ter confiança e assumir plenamente as suas ideias. A cada início do ano, fazem parte das minhas “regras”: aqui não há perguntas, nem respostas parvas, aqui não há tabus, podem falar e dizer tudo (excluo racismo, LGBTfobia, sexismo, insultos…).

É a melhor profissão do mundo, mas tão cansativa. Surpreende-me o desprezo e o achismo de quem não faz a mínima ideia do que é estar numa sala de aula, do que é gerir a tempestade.

É a melhor profissão do mundo, mas o professor também tem outra vida, outros interesses, outras paixões e tem de preservar a saúde, que pagar contas, que criar filhos, que cuidar dos familiares idosos ou com necessidades especiais, etc.

Solidariedade com a(s) luta(s) dos professores!

Luísa Semedo

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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