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À espera de um milagre

© DR

Conhecem o filme “À Espera de Um Milagre”? Terça-feira parecia que me estava a acontecer coisa semelhante.

Escrevi no Domingo acerca do meu receio em ir à consulta de terça-feira com o médico de família. As análises tinham piorado bastante desde a última vez que as fiz, e certamente iria levar uma enorme reprimenda. A consulta era às 10 da manhã.

Acordei triste e preocupado, mais com o futuro raspanete, do que com a minha saúde. Admiti que teria de mudar de vida e como estava com tempo, fui até ao próximo hipermercado Continente rumo ao corredor de produtos saudáveis e biológicos, com o objectivo de ser um Pedro Guimarães mais saudável.

No corredor estava à minha frente um senhor bastante idoso, com um casaco comprido que lhe dava um ar importante, a levar um carrinho de compras, e conclui que para ter aquela idade, certamente devorava apenas produtos saudáveis e biológicos e seria um exemplo a seguir. Mas eis que o senhor idoso, de repente arqueia uma das pernas, pensei a dar o badagaio, mas dá um muito sonoro traque. Fiquei espantado, mas considerei que era uma animação no início de um dia que seria muito triste. Se porventura poderia estar com menor vigor noutras funções, atesto que ao nível da flatulência está muito bem conservado, parecia mesmo um jovem de trinta anos. Se eu estivesse acompanhado, seria uma risota a tentar não rir, mas naquele dia não existia motivo para rir..

O senhor, depois do foguetório olhou para trás, e eu comecei a fingir que estava tudo bem e não tinha escutado, o que quer que seja. Tentei dar um ar de normalidade, mas é lógico que o que tinha acontecido, certamente teria uma boa avaliação num concurso de decibéis.

Normalmente, se uma pessoa dá um traque daquele gabarito, antes olha para trás para ver se está alguém, não é olhar depois para verificar os danos colaterais, que neste caso deveriam ser “culaterais”. E nem foi descuido, porque um daqueles, exige muito trabalho de abdominais e alguma concentração.

Perante tamanho evento, resolvi abandonar o mal cheiroso local e seguir rumo ao Centro de saúde me aguardava. A consulta divide-se em duas partes: a primeira com enfermeiros e a outra com o médico de família.

A primeira tarefa da enfermeira, que devia estar chateada, foi pesar-me. Normalmente, quando me pesam retiram de um a dois quilos por causa da roupa. Ela nem um grama retirou, e fiquei lixado porque era mais um motivo para a descompostura que iria levar logo a seguir porque tinha engordado dois quilos (o peso da roupa e eu tanto me tinha esforçado em manter o mesmo peso). Como a enfermeira devia estar próxima da reforma, e como tudo estava perdido, pensei que talvez esses dois quilos a mais no verdadeiro peso, ainda me dessem jeito para futuras consultas. Ou seja, poderia engordar dois quilos ate à próxima consulta de Junho e então ai, regatear o peso certo.

Isto ia de mal a pior. Mediu a tensão arterial, mediu o abdómen e seguiu o interrogatório sobre tabagismo, álcool, hábitos alimentares e exercício físico. Um bom tema para uma conversa matinal.

Referi que exercício evitava fazer, que detesto correr e não aprecio caminhar. Mas quando me perguntou sobre bebidas alcoólicas, referi que era raro beber vinho, bebidas destiladas, mas o que gostava mais era de cerveja.

Perguntou-me quantas cervejas eu bebia, e como o dia já estava destinado a ser tenebroso, respondi que bebia todas aquelas que conseguia. A enfermeira começou-se a rir à gargalhada e foi um bálsamo na relação entre enfermeira e paciente. E conversamos sobre queijos, sobre presunto, sobre o stress do dia-a-dia, tudo no âmbito da consulta. Aproveitar e desabafei os meus receios com a consulta a seguir com o médico e ela compreendeu e deu-me imensas sugestões.

Fui de novo para a sala de recepção esperar a hora da acusação, julgamento e punição. Mas atrasou meia hora, algo que era raro acontecer, mas certamente estaria a ainda a meditar no que haveria de fazer com este miserável utente. De repente chamaram-me. Era chegada a hora.

Entrei cabisbaixo, olhos fixos no chão como quem se premência, e a fazer lembrar Egas Moniz a entrar na corte de D. Afonso VII de Castela, em virtude das travessuras no menino Afonso Henriques. Fui recebido com um enorme “bom dia” por parte do médico, que me surpreendeu, e verifiquei que o motivo do atraso, tinham sido as duas estagiárias novinhas que estavam ao lado dele.

Achei que era uma boa de iniciar a consulta a desculpar-me e a garantir que nunca mais voltaria com análises como aquelas. Ele fez um ar estranho e disse-me que as que eu enviei estavam excelentes e tudo estava melhor que as anteriores.

Fiquei parvo e surpreendido e perguntei se tinham visto bem as análises e se estavam a ver a análises anteriores. Mas não e eu fiquei sem entender nada, a não ser que o milagre aconteceu. E para comemorar, ontem comemos rojões à minhota, com redanho, tripa enfarinhada, batatas fritas e tudo mais que fizesse subir o colesterol.

Pedro Guimarães

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