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Zezé Freitas e o melhor dos ritmos brasileiros

Com timbre grave e muita brasilidade em suas interpretações, Zezé Freitas, em mais de duas décadas de carreira e incomum versatilidade, cantou de bossa nova a maracatu, passando pelo baião, congo, coco, samba e frevo, somando apresentações não só no Brasil, mas também na Europa e na África.

Seu disco mais recente, Um Salto em Distância é Melhor que um Mortal, com direção musical do pianista Nenê e as participações de Ricardo Zoyo, no contrabaixo, e Paulinho Alves, na bateria, uma vez mais surpreende pela qualidade do repertório e sua voz marcante.

De onde a ligação com a música?

Desde criança apreciava cantar nas festas de minha casa e na escola. Integrava, no Grupo Escolar onde estudei, as atividades de canto orfeônico. E minha mãe também foi uma grande influência, pois passava o dia todo com o rádio ligado, sempre cantarolando.

Artistas que mais a influenciaram.

Filó Machado, Fátima Guedes, Rosa Passos, João Donato e Nenê, músico que há muito me acompanha.

Como foi o período em que cantou no Coral Madrigal e as turnês que fez com o grupo ao exterior?

Foi um período de grandes descobertas, em que passei a prestar mais atenção nos sons, a escutar e a exercitar minha voz, a me interessar pelo folclore, mas também pela música erudita.Cantar fora do Brasil fez com que eu valorizasse mais a nossa música. Foi uma nova maneira de olhar, que me tornou mais feliz e permitiu perceber o que de fato somos. A eficiência e a seriedade do maestro Benito Juarez durante a turnê que fizemos por alguns países africanos, como Gana, Togo e Costa e do Marfim foi inesquecível.

A opção por dedicar-se apenas à música, abandonando a carreira de atriz, deveu-se a algum motivo especial?

Nenhum motivo especial, pois eu gostava muito de representar. Mas, na época, eu não acreditava que pudesse fazer ambas as coisas com excelência. A Myriam Muniz me disse que “como atriz eu era um diamante bruto a ser lapidado, enquanto a cantora estava pronta”. Escolhi, então, investir na cantora.

Conte-nos um pouco de sua estreita amizade com a compositora e artista plástica Zica Bergami, que embora sempre lembrada por Lampião de Gás, uma das mais conhecidas composições de nossa música popular, deixou grande número de letras, algumas delas gravadas por você?

Fui convidada, anos atrás, a ir a uma exposição de quadros de Zica Bergami, a consagrada autora do clássico Lampião de Gás. Ao chegar, a vi sentada numa cadeira, cantando “Manga, manga e manga não querem dizer a mesma coisa”. Fiquei curiosa e me aproximei dela, dizendo que gostaria de conhecer outras composições que havia feito. Dali em diante, ficamos amigas e passei a freqüentar a casa dela seguidamente. A identificação com sua vida, suas músicas e seus quadros foi crescendo e acabei gravando um disco só com suas músicas.

Há espaço no Brasil a quem se dedica à música de qualidade, sem concessões ao que busca a grande mídia?

Cada vez menos espaço. É preciso ser criativo, pesquisar, descobrir projetos existentes ou inventar outros. Há tempos, venho realizando apresentações para grupos de trinta pessoas em minha própria casa e com isso mostrado meu trabalho.

O que gosta de ouvir?

Sou encantada pelo som do Dori Caymmi. Entre as cantoras, as que mais escuto são Isabel Padovani, Mônica Salmaso, Leopoldina e Rosa Passos. O Filó Machado foi meu mestre durante as gravações de meus dois primeiros discos e também me acompanhando nos shows. No entanto, ouço mais música instrumental. Adoro o Nenê Trio, Hermeto Pascoal, Moacir Santos, Egberto Gismonti, Jovino Santos, André Marques, Vintena Brasileira, Itiberê Orquestra e Família, Cléber Almeida, Ayubi Ogada, Hercules Gomes, Keko Brandão, Pau Brasil…

Entre os compositores que gostaria de gravar, pode nos falar sobre alguns deles?

Dori Caymmi. Se o Moacir Santos não tivesse sido tão gravado, seria de meu interesse. O Hermeto Pascoal é o melhor intérprete dele mesmo, portanto nem me atrevo. Prefiro gravar músicas inéditas, como as do Nenê, meu baterista, e isso me deixa muito satisfeita. Já gravei dois discos com músicas dele e ainda virá mais um. Aprecio o olhar que ele tem para nossos diferentes ritmos, as suas ricas melodias, a originalidade, a harmonia e os belos arranjos que compõe.

Como vê a atual safra de músicos?

Com excelentes olhos. Cada vez mais encontramos jovens talentosos em relação aos mais diferentes instrumentos. Como exemplos, posso citar Írio Junior, Hercules Gomes e André Marques, pianistas; Alberto Luccas, Ricardo Zoyo e Glécio Nascimento, contrabaixistas; Paulinho Alves, Cléber Almeida, Alex Buck e Ajurinam, bateristas; Josué, saxofonista; Joabê, trombonista, além das cantoras Vanessa Moreno, Natália Machiavelli e Sandra Melo.

Com o advento da internet vender discos é algo cada vez mais difícil, embora ela seja um meio extraordinário de divulgação de novos e antigos talentos. Como analisa tal paradoxo?

Sim, é raro vender discos. Parece que o hábito atual é baixar faixas de músicas, em vez de escutar o disco inteiro. Quanto a mim, ainda prefiro escutar o disco todo, pois não tenho vontade de baixar músicas pela internet. Não considero um paradoxo, pelo fato da divulgação ter se tornado complexa através da internet. Todos os dias surgem inúmeros aplicativos e não damos conta de lidar com todos eles, assim como não sabemos quais irão vingar. Quando um aplicativo se firma, logo surge outro. Atualmente, estou em dúvida entre manter apenas o canal do Youtube e atualizar o meu site ou começar a usar o Instagram com o Twiter, o que também não é garantia de que se mantenha nos próximos meses. Nem sei para que serve o Pinterest. Muitas vezes gastamos mais tempo e energia com máquinas e programas do que com nossa própria música. Além disso, é preciso entender de figurino, imagem, maquiagem, enquadramento e gravar um teaser, fazer um making off, fotos…

E o que vem por aí?

Estou elaborando um projeto para ser inscrito no Catarse, solicitando apoio para circular pelo interior de São Paulo, além de gravação de novo disco e clipe. E meu novo cd, Um Salto em Distância é Melhor que um Mortal, pode ser escutado ao clicar em: https://soundcloud.com/zezefreitas

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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