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“Rapariga em Guerra” de Sara Novic

Ficha técnica

Título – Rapariga em guerra

Autora – Sara Novic

Editora – Minotauro

Páginas – 234

Opinião

Hoje vou fazer algo que apenas fiz poucas vezes aqui no blogue – vou escrever um texto de opinião conjunto, isto é, vou partilhar convosco como foi a minha leitura de duas obras que abordam o mesmo tema numa perspetiva feminina – a guerra nos Balcãs.

Não é novo para ninguém o meu fascínio (algo mórbido, eu sei) pelos grandes conflitos bélicos. Não me canso de procurar obras que se centrem nas duas Guerras Mundiais, na Guerra Civil espanhola ou na Guerra Civil jugoslava ou Guerra da Bósnia. Já li um número infindável de romances, de ficção ou não-ficção, que me foram ajudando a entender melhor o porquê destes conflitos, o quando e onde e, sobretudo, as suas aterradoras consequências. Contudo, estes dois últimos que li trouxeram-me uma perspetiva algo diferente – permitiram que eu conhecesse o conflito jugoslavo a partir do ponto de vista feminino – de uma criança e de uma jovem.

Em Rapariga em guerra, viajamos até Zagreb. Estamos no ano de 1991, ano que trará a independência da Croácia e o início do conflito entre o recente país independente e a Sérvia. Ana, de dez anos, vive com os seus pais e a irmãzinha, Rahela, na capital croata e viverá, da pior forma possível, essa guerra que destruirá toda a paz aparente que existia entre os estados que compunham a República da Jugoslávia. Dez anos mais tarde, Ana reside nos Estados Unidos, mas o leitor facilmente entende que a jovem, agora com vinte anos, enfrenta os seus dias como se fosse uma sonâmbula. Frequenta o terceiro ano de Literatura na NYU, namora com Brian, para todos os efeitos é uma jovem normal, igual a tantas outras, mas bastou um convite para ir falar, na ONU, da sua experiência como sobrevivente da Guerra Civil Jugoslava, para que essa aparente normalidade estale e se compreenda ainda melhor o quanto a rotina e a vida de Ana se assemelham às de um autómato, que se levanta, trata das tarefas diárias, sai com os amigos, namora inclusive, mas que não abre a ninguém, nem mesmo a si mesma, as portas do seu íntimo e muito menos do seu passado.

Não quero alongar-me mais no resumo da narrativa para que esta possa surpreender qualquer leitor que queira mergulhar nela. O que sim, quero dizer, é o quanto gostei de ler a obra de estreia de Sara Novic, o quanto a sua juventude choca no bom sentido com a maturidade da sua escrita e o quanto sofri, berrei em silêncio, apertei os punhos e sufoquei com a dor de uma menina que perdeu muito mais do que a sua infância com uma guerra que a autora do livro de que vou falar a seguir define com uma absoluta e crua precisão – “A guerra é cada indivíduo, é o que lhe aconteceu, o modo como isso lhe aconteceu, como a sua vida foi alterada.” (pág. 10, de Como se eu não existisse)

Sublinhei e destaquei muitas partes de Rapariga em guerra por senti-las, vê-las como essenciais e como exemplos da referida maturidade do estilo da sua autora e do caminho brilhante que a mesma trilhou para escrever um livro que tinha tudo para cair em descrições exageradamente sentimentais e que puxassem a lágrima fácil e que, pelo contrário, está impregnada de um tom sóbrio e que permite que o leitor construa as suas conclusões e compreenda a dor latente que tortura e sufoca a existência de uma menina que cresceu cedo demais e ainda não conseguiu encontrar o seu lugar no seu mundo e no dos outros.

Para finalizar e antes de partilhar convosco como foi a minha leitura da próxima obra, deixo-vos algumas das passagens que sublinhei/destaquei e que espero possam convencer aqueles que, a esta altura da opinião/review ainda não estejam desejosos de conhecer Ana, uma rapariga em guerra, mesmo após dez anos do estalar da Guerra Civil Jugoslava.

Eu não compreendia porque quereria o Exército Nacional Jugoslavo atacar a Croácia, que estava cheia de jugoslavos, mas quando lhe [ao meu pai] perguntei, limitou-se a suspirar e a fechar o jornal.” (pág. 26)

Num efeito secundário da guerra moderna, tivemos o estranho privilégio de assistir à destruição do nosso país através da televisão.” (pág. 31)

Na Eslovénia, a guerra durara dez dias. Não partilhavam fronteira com a Sérvia, nem tinham pleno acesso ao mar; não eram da etnia errada.” (pág. 34)

O que a guerra significava na América era tão incongruente com o que acontecera na Croácia – com o que estava, decerto, a acontecer no Afeganistão –, que a própria utilização dessa palavra parecia um erro.” (pág. 90)

NOTA – 10/10

Sinopse

Uma saga de guerra, um relato da passagem à idade adulta, uma história de amor e de memória, Rapariga em Guerra percorre todas estas facetas e revela-se um romance de estreia ao mesmo tempo perturbador e cheio de esperança, escrito com a força da verdade.

in O sabor dos meus livros

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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