De que está à procura ?

Colunistas

O talho

o carniceiro lírico
como lhe chamavam na cidade
abatia desgostos amorosos
nas traseiras do seu talho
estabelecimento sito numa soalheira esquina do firmamento
esquartejava tristezas de amores não correspondidos, falidos
esfolhava aves, luares, corações, saudades
tinha sempre em promoção éclogas, bucólicas, guitarradas
aos mais necessitados
ajudava-os na redacção de cartas amorosas, infalíveis
na montra, mirabolante, colocava
flores campestres, acólitas, aconselhantes
vendia a retalho lembranças de beijos antigos
horóscopos propícios e vários tipos de carne
estava aberto sete dias
a clientela afluía em grande número
um dia veio uma bela rapariga
uns olhos de um castanho aceso de canela
pediu cinco tiras de entremeada e meio frango
o carniceiro colocou-lhe tudo num saquinho
juntamente com o seu próprio coração
esmiuçado de encantamento
um mês depois e alguns passeios juntos
o talho passou a fechar ao fim-de-semana

(para o Ricardo Espírito Santo)

______

dinismoura, inédito, Abril, 2015

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA