Vem, anjo negro,
abate as tuas asas de corvo
sobre mim,
há tanto tempo que me persegues
há tanto tempo que me queres,
hoje finalmente venceste-me,
ganham-me as trevas,
ou perdem na troca?
Dai-me essa taça peçonhenta
eu hei-de beber do veneno antigo,
agora eu sei o meu lugar.
Não era Lúcifer o anjo preferido de Deus
e nas profundezas reflectiu a intensidade dos céus?
Vede o que fizestes de mim:
um monstro com um peito tenebroso,
hoje eu quero dançar ébrio
e sorver o vinho de fel sobre as vossas campas.
Pensastes-me lobo,
mas eu devoro dragões.
Sou o destruidor de mundos,
vou criar agonias e ruínas no coração dos homens.
O Amor não me quis
Nunca mais quero o Amor
essa vileza do ser,
essa baixeza da alma.
Hei-de foder de olhos vendados e coração trancado.
Sinto que o vazio e o frio já tomam conta de mim,
sou coisa morta, inerte, torta,
há calhaus com mais personalidade do que eu…
Não me querem o Amor e a Vida?
Mas eu preciso lá desses simulacros de existência.
Se é para arder que seja para sempre
se é para penar que seja danado para a eternidade,
que as almas pequenas apenas aguentam um só amor na vida.
Eu hei-de carregar desamparos e desamores
ódios, horrores, temores,
até ao crepúsculo dos tempos.
Hei-de beber o meu próprio sangue
de tanto cravar os dentes em mim
e morder a língua como se a quisesse engolir,
e quando estiver finalmente exangue
já nada me salvará
porque já não haverá nada nem ninguém para me salvar.
Se é para devastar que seja ómega.
Houve quem resgatasse as vossas almas
e lavasse o pecado do mundo
ele voltou a tornar-se imundo
e hoje quem cobra sou eu.
Eu, o inominável,
o último cavaleiro revelado,
a mão vingativa de quem já reinou
sentado à esquerda do todo-poderoso
sou o destruidor de mundos,
o devorador de sóis,
eu extingo estrelas e apago galáxias,
arroto universos e dobro o tecido à própria realidade.
Deixou de haver nome para o que eu sou,
terão que inventar novos verbos
e palavras novas para as ignomínias e infâmias que vou cometer.
Que a mim tudo me foi negado
a vida, o amor e até a morte, a morte,
essa que podia ser hoje,
aqui e agora,
a minha derradeira libertação…